Por Jefferson Almeida
Para a primeira experimentação da turma foi proposta uma ação coletiva no meio urbano, levando em consideração o estado de caminhada meditativa. Deveríamos arrastar aquilo que, no nosso cotidiano, arrastávamos por necessidade ou o que se mostrava como um peso impossível de se livrar. Escolhemos para tal a Praça XV, no centro do Rio de Janeiro, às 17h.
Sabidamente, a Praça XV é um pólo de grande movimentação pública, principalmente nos, ditos, horários de pico (trocas de turno: entradas e saídas de trabalho e escola). O largo, nesses horários, é tomado por uma verdadeira multidão que une num grande ballet os caminhos e as trajetórias de cada indivíduo (que tem o seu caminho preestabelecido e quase mecânico: os corpos individuais se adequam ao corpo coletivo, sem ferir o funcionamento da máquina “corpo coletivo”).
Chegamos à Praça e nos preparamos para a ação, atando aos nossos corpos os pesos. Sentamos em roda com o intuito de meditarmos pra atingir o estado no qual deveríamos fazer a caminhada. Só o fato de estabelecermos essa roda já causa certo estranhamento: a Praça XV é um lugar de passagem que tem por característica não ser usada como “fim”, mas, sempre, como “durante”, “caminho”.
Colocamos-nos, então, numa fila lateral, de frente para a porta de embarque das barcas e nos pusemos a caminhar. Nesse momento da ação a mim me importavam duas coisas: 1) a percepção e manutenção do estado meditativo; 2) a manutenção da imagem coletiva que havíamos criado.
Pensando sobre esse momento, depois, me dei conta de que o estranhamento que causávamos nos passantes era menor nesse momento da ação (em se comparando com os momentos posteriores e, até mesmo, com o anterior – a meditação) e só posso pensar em uma razão para isso: estávamos, ainda, em ACORDO; andávamos à favor do fluxo, logo, a máquina “corpo coletivo” ainda funcionava sem nenhuma grande interferência, e, com, isso, chamávamos a atenção para a pressa com que a vida urbana num grande centro tem que se dar. Vi que todas as pessoas que passaram por nós estavam como nós: todas carregavam seus fardos (pastas executivas, apostilas, livros, pilhas de papelão, filhos pequenos etc), mas não sem a tensão que estávamos propondo, logo, sem os perceberem como tal.
Viramos, organicamente, uma fila indiana. Eu era a cabeça dessa fila. E seguimos serpenteando pela Praça. O que é importante salientar é o quão pulsante era a nossa fila em contraste com as diversas filas funcionais que partiam dos guichês de venda dos bilhetes de embarque das barcas. Aliás, cortamos uma delas com a nossa serpente. Estávamos, então na frente da entrada das barcas e a nossa serpente tomava toda a entrada. Paramos ali, de frente para o largo. Aí sim causamos não só estranhamento, mas, incômodo. A funcionalidade daquele ambiente estava modificada e, com isso, a máquina estava corrompida e o cotidiano ganhava outro tônus, porque se interrompia. Aqueles caminhos individuais preestabelecidos são corrompidos/interrompidos por um acontecimento. E isso, essa interrupção nos fluxos, nesse momento da ação, ganha uma atenção maior que os próprios carregamentos.
Retomamos à caminhada. Agora, em direção ao Paço Imperial. E, no contrafluxo, estando de frente para as pessoas, tudo era amplificado e tudo era percebido pelos passantes e ganhava deles atenção: a forma da caminhada, os carregamentos etc.
Queríamos por em discussão o massacre do dia-a-dia para conosco, mas, me ocorreu que, em alguma instância estava contido na imagem do coletivo cruzando a Praça e o monumental Paço Imperial, uma síntese da própria História do Brasil, da sua colonização até a mais absoluta liberdade expressiva.
Seguimos, serpenteando até o Largo da Carioca.
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