Parte 1
Ao caminhar pela Avenida Pasteur as pessoas em volta me olhavam com certo estranhamento, algumas riam e comentavam. A maioria ao menos olhava continuadamente até eu passar por elas. Eu as retribuía o olhar com um leve sorriso no rosto e quando os olharem se encontravam por mais de um segundo eu as cumprimentava com um aceno de cabeça. Teve uma senhora que me perguntou onde havia um orelhão que ela pudesse telefonar, porém eu sem nenhum braço para apontar a direção, simplesmente falei “Para lá tem!” e indiquei com o rosto.
Entramos na Rua Professor Xavier Sigaud e logo encontrei um professor da Unirio amigo meu. Ele parou, olhou para mim alguns segundos indagando o que era aquilo e me cumprimentou seguindo o seu caminho. Achei muito curioso encontrar um amigo porque eu me encontrava numa situação muito diferente do normal. Se eu quase não me reconheci no espelho, imagina ele me vendo.
Fui caminhando até o shopping. Quase na porta passei por uma criança e ela não tirava os olhos de mim com um enorme sorriso no rosto. Me senti acolhido, e não mais estranhado, e me relacionei com ele perguntando se estava tudo bem. Ele sorriu mais em resposta. Entrei no shopping e aqui termina a Parte 1 do relato.
Parte 2
Ao entrar no shopping pela porta lateral fui imediatamente à escada rolante mais próxima e subi. Quando olho para trás e para o andar em que estava chegando já estava rodeados pela segurança do lugar. Uns quatro a cinco guardas me abordaram (eu e Jefferson, na verdade) e proibiram de continuar a performance alegando que nós não tínhamos autorização. Em seguida nos levaram para o chefe da segurança nos “porões do Rio Sul”. O fato de termos uns cinco seguranças nos escoltando chamou muito mais atenção para a performance do que se tivesse continuado normalmente. Descemos uns lances de escada e chegamos na área de entregas. Todos lá ficaram meio surpresos e espantados em ver um homem vestindo uma caixa de papelão. Esperamos alguns minutos para o chefe da segurança chegar. Enquanto isso, perguntei no nome do segurança que tinha me abordado. Davidson. Então ele me perguntou qual era a minha profissão. Respondi honestamente “Sou ator”, ele riu e reclamou que ia perder a hora de almoço. Fico me perguntando o real valor social da nossa profissão. Será que algum dia a gente vai valer mais que um almoço?
O chefe da segurança chegou já reclamando agressivamente perguntando o que era aquilo que estávamos fazendo. Antes de mais nada, fui educado e o saudei com um Boa tarde e me apresentei. Perguntei o nome dele e ele me respondeu perguntando o meu nome, sendo que eu tinha acabado de dizer. (Será que ele ouviu o que eu tinha acabado de falar?) Mantendo a educação respondi novamente e ele me mostrou a carteira da polícia dele e falou “Eu sou Haroldo”. Eu e Jefferson explicamos para ele o que era a performance, um trabalho de faculdade, que a filmagem era somente o registro do acontecimento, mas mesmo assim ele não deixou continuarmos. Perguntei porque e ele falou que nós não tínhamos autorização para filmar nada no shopping. Aí eu perguntei se se não filmássemos poderíamos continuar a fazer a performance. Depois de quatro ou mais tentativas de entender o que estava sendo perguntado ele alegou que a performance poderia causar “modalidade de curiosidade e modalidade de estranhamento” nas pessoas. Não era esse um dos objetivos da performance? Questionar alguns modelos de comportamento e gerar estados de presença nas pessoas alienadas pela sociedade de consumo, a sociedade do espetáculo, de Debord? Não é permitido sair das normas, dos limites, das regras de um ícone da sociedade de consumo como um Shopping Center. Não me foi permitido instigar as pessoas a pensar.
Ele pediu para ver no vídeo a parte que foi filmada dentro do shopping e pediu para a apagarmos. Era o final do vídeo e ali naquele momento era impossível fazer o requisitado. Haroldo demorou a entender que realmente era impossível editar o filme no celular e resolveu nos levar para a gerência do shopping. Na hierarquia da segurança e da gerência do shopping vê-se claramente o nível de instrução de pensamento das pessoas. O segurança Davidson me abordou e seguiu um procedimento em que constava seguir uma ordem superior. O chefe da segurança Haroldo também seguiu um procedimento padrão e não soube responder em momento algum porque não era permitido gerar curiosidade e estranhamento nas pessoas. O único problema acordado por todos ali presentes era que sem autorização não era permitido nenhuma filmagem dentro do shopping. Na verdade o problema das modalidades (curiosidade e estranhamento) nem o gerente soube responder. Leandro, o gerente que nos atendeu, aparentava uns 25 a 30 anos, mas também não conseguiu nos explicar a proibição. Parecia-lhe uma idéia tão absurda andar vestindo uma caixa que só poderia ser proibido de ser feito. Não haveria jeito. Se quiséssemos continuar teríamos que ter uma solicitação da faculdade pedindo uma autorização para filmar alguma coisa dentro do Rio Sul. Jefferson e eu concordamos que não fazia mais sentido continuar com a performance depois de toda a “burrocracia” instituída. Leandro me deu o e-mail para mandar a tal solicitação e a descrição da performance para análise do departamento de marketing. Inacreditável! Enfim, voltamos para Unirio sem filmar mais nada e carregando a caixa na mão. Aqui está o link do vídeo tão questionado.
Quando a arte rompe com o espaço social cotidiano, com suas regras e limites, constrói-se uma presença, mesmo que efêmera. Um fenômeno artístico relacional faz com que o cotidiano das pessoas se transforme para algo mais vivencial e afetivo. O curioso e estranho fazem parte disso. As pessoas são afetadas pelo performer de uma forma ímpar e isso “significa postular a idéia de uma postura menos passiva, por parte do público, diante da vida social.” Priscila Arantes
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