Otto Muehl: Kardinal (versão original)
Re-enactment de Kardinal (Gunnar Borges)
Neste trabalho pretendo relatar como foi a experiência de reproduzir uma performance. Escolhi o vídeo “Kardinal”de Otto Muehl para embasar o meu trabalho e minha pesquisa. Primeiramente irei focar um pouco sobre obra e vida deste polêmico artista.
Otto Muehl nascido em Grodnau, em 1925, foi um artista que teve sua trajetória marcada por perseguições policiais, polêmicas jornalisticas, escândalos, rebeldia até mesmo cumprimento de pena de reclusão durante sete anos. Parte deste marco deveu-se ser ele um significativo membro do movimento acionista vienense, movimento do qual sempre fez parte desde início da sua carreira na década de 60.
Nos filmes, em geral decorrentes das “ações acionistas”, é possível travar contato com várias parafilias, com um anticlericarismo radical e com ataques diversos ao establishment, entre outros itens de um cardápio variado de reflexões fortemente subversivas sobre questões do pós-guerra, realizadas no ambiente ultraconservador da Áustria dos anos 60.
Seus filmes, também, carregam relatos históricos de época em que tudo parece vestir-se de algum simulacro. A escatologia, a pornografia exposta de maneira rebelde e agressiva fazia parte de uma discussão, sobretudo, um protesto a realidade política e social vigente.
A opção por escolher um vídeo de Otto Muehl, além de querer desenvolver questões pessoais sobre uma obra já criada, achei interessante a performance vir como sua própria documentação. Muito dos vídeos produzidos pelo artista tinham a intenção, até mesmo editorial, de se produzir pela imagem um protesto. O “aqui” e “agora” da performance cabiam ao trabalho dos que participavam, mas o efeito afetivo e disseminador de uma idéia vinha pela imagem exposta puramente. Sobre isto acho válido expor uma analise de Andrew Grossman sobre o cinema acionista de Otto:
“A maioria das ações mais famosas de Mühl realizadas durante os anos 60 foram documentadas pelo diretor experimental Kurt Kren, famoso pela patenteada técnica de ‘flash-editing’, que fraciona matematicamente imagens em cortes múltiplos por segundo, criando um efeito estroboscópico onde o número de cortes de cada sequência é dertermina pelo número de cortes da sequência imediatamente anterior. Estamos então confrontado com o paradoxo das performances materialistas e em tempo real de Otto Mühl sendo editadas discontinuamente em ‘flash-editing’ e temporariamente reconstituídas pela maquinação anti-realista da vanguarda kreniana. O efeito estroboscópico da edição de Kren é ao mesmo tempo futurista e primitivamente daguerreotípica. (…) Esse paradoxo de uma performance em tempo real apresentada dentro de sequências fortemente reestruturadas nos lembra firmemente das limitações da representação temporal e a necessidade eventual de partir da arte representativa ao império de ações-análises de Mühl, ou auto-representações ao vivo”
O vídeo “Kardinal” (Cardeal) gravado em 1967 foi meu suporte para desenvolver o trabalho. A cena que se vê no vídeo parte de uma opressão do poder sobre o homem, onde sobre ele é despejado uma série de excretos e escatologias. Pensando sobre o ato performático de estar submetido a alguém e passivo a qualquer coisa que me impusessem, pensei numa questão atual e recorrente a sociedade de hoje: a invasão dos produtos alimentícios industriais e sua manipulação e desvirtuamento do corpo como cuidado vital.
Para poder expressar este conflito, quando fiz a performance escolhi estar submetido a uma porção de embalagens e aos alimentos industriais vendidos principalmente em lanchonetes e supermercados. Tudo isto para encaminhar numa deformação da própria imagem por todos esses produtos.
Tendo visto que vivemos numa sociedade capitalista e de consumo descontrolado, a comida, fator de pulsão vital para o homem, é colocada como mero produto de enriquecimento, disfarçado de “comida prática para a modernidade”. Os fast-foods e outros produtos se aventuram na alquimia das suas composições, inventando sabores e doenças. Se tudo isso fosse permeado por uma discussão, onde o sujeito tivesse a liberdade de escolha para o que vai comer, seria válido. Mas vivemos num lugar onde atrelado a alimentação o homem ignora a saúde e ovaciona o capital, transformando corpos em armazenamentos de doenças e deformidades, bloqueado- pela mídia e pelo marketing obsessivo- o sujeito ignora a real necessidade do corpo e a melhor forma de alimentá-lo.
Assim como o vídeo “kardinal” optei que tudo fosse registrado uma única vez, para que no vídeo, por conseguinte, no seu registro, contivesse a espontaneidade do ato performático. Por isso, ao passo que os produtos vão sendo jogado e tomando sua forma agressiva gradativamente, eu passivo, vou me preenchendo de sensações. O corpo reage por sair, a boca quer cuspir, vomitar, as mãos querem limpar, os olhos querem se fechar e ignorar tudo por vez. Daí que me senti de certa forma passando por aquilo que abordamos quanto a auto-transformação do performer. Estar submetido e quieto a algo que lhe desagrada com certeza provoca uma instabilidade mental e corporal, provocando em mim- e espero que exposto no vídeo- abordagens sobre o cuidado consigo.
A gradação da agressividade como coloquei acima, veio de uma questão que penso sobre se alimentar como um ritual. Alimentar provém de um olhar e uma escuta ao corpo e suas necessidades, sendo cada ser único, cada corpo precisa receber aquilo que lhe cabe e ser respeitado ao seu tempo, e a maior fonte para isto, acredito eu, venha de um lugar fora de embalagens e composições químicas. O vídeo mostra basicamente um bombardeio de alimentos e embalagens, ao qual permeiam do carinho, da surpresa até a agressão, expressando assim um ritual externo ao nosso essencial. Deixando, por fim, uma imagem totalmente desconhecida e deformada da que foi apresentada.
Para codificar com o vídeo de Otto, tentei manter a cor ao qual o artista mostra no seu vídeo, o vermelho. Abordando, assim, um clima de tensão e uma atmosfera emergencial. Também, optei por iniciar o vídeo estando com a boca tapada, só que no meu caso com um rótulo de uma marca, diferenciado do arame que é lhe é colocado, mas mantendo a idéia de submissão e exclusão do direito de resposta.
Penso ainda que este trabalho tenha sido difícil para o outro performer que me atirou os alimentos, ao inicio estávamos nervosos, eu pelo estado passivo e o outro pelo estado agressivo, sem sabermos como agiríamos. Experimentamos um lugar concreto de relação de poder hierárquico e ditador, onde a ferramenta e o controle, eram as comidas e embalgens oriundas do mercado de produtos. Estado quase de tortura e protesto.
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