segunda-feira, 28 de junho de 2010

postado por Eduardo

Domingo dia 27 de julho de 2010, Central do Brasil- RJ por volta de 10 da manha, entro no ônibus com destino Central/Itaguaí carregando a parte de economia  e política do jornal “O GLOBO”.  Após passar pelo trocado me dirijo ao centro do ônibus e começo a degustar o jornal. Parte a parte este pedaço do jornal ia “desaparecendo”. Mas o que me levou a isso!?

Inicio do semestre letivo de 2010. A disciplina ATAT  ministrada por Tania Alice trata sobre a não necessidade da definição do seu principal objeto de estudo: a performance. Partindo de alguns textos teóricos e de reflexões e experiências compartilhadas em sala de aula a mesma se torna um farto debates sobre temas como a pertinência da performance hoje, o re-enactment, as questões relativas ao suporte e ao registro, a ética do artista da performance   e as questões produzidas e buscadas por essa arte fronteiriça e hibrida em relação ao interacionismo social. E tendo como resultado final a realização de uma re-enactment de alguma performance digamos assim “histórica”. Assim a aula a pretendia incorporar a criação e a vivência a produção reflexiva e teórica.

Escolher uma performance não é uma tarefa fácil. Primeiro Devido a uma percepção minha de que muitas das vezes a performance é recebida e agrupada próxima a pornochanchada e a alienação. Outra “categorização” que eu também não queria cair seria o da categorização do evento performático que é rígido e não é capaz de de dialogar e nem interferi na interação, integração e resignificação das relações humanas.
O que eu buscava nesta arte era alguma forma de como diz Nicolas Bourriaud em seu livro sobre estética relacional “A possibilidade de uma arte relacional (uma arte que toma como horizonte teórico a esfera das interações humanas e seu contexto social mais do que a afirmação de um espaço simbólico  autônomo e privado)” (BOURRIAUD: 2009:19). Desenvolvidas a partir das noções  interativas, conviviais e relacionais. De certa forma poderia pensar que na representação da performance seria uma relação ambígua seria apresentar algo novo a partir de uma noção de ausência.
Com base nisto comecei a escolher qual seria o meu exercício prático o primeiro sugerido a professora foi a de um coletivo de artistas de Miguel Pereira que se baseavam livremente  nas intervenções urbanas de cobrir monumentos e de andar com cartazes com perguntas sobre se isso seria arte. Eles fundiram as duas ultimas em uma única: adesivos com  a pergunta (Isso é arte?), distribuídas a pessoas e artistas para rediscutir, repensar e incluir o sue subjetivo dentro do aparelho urbano. Tal proposta foi rejeitada por mim mesmo, dada  a impossibilidade de dialogar (devido) a ausência dos registros anteriores e de ser também próxima temporalmente.

A segunda tentativa se deu através da escolha dos cartões-postais, especificamente sobre o que criava a instrução de um mapa e pedia que ao fim do caminho se entregasse uma rosa. A minha resignificação passou a ser a entrega de um mapa de direções curtas e  a materialização da rosa por poesias no interior retiradas de letras de Noel Rosa (tenho também a crença que diversas interferências pequenas e simples  são mais interessantes do que uma única muito potente  - dado que normalmente a população rejeita as manifestações extremas   e estas acabam por se tornar uma auto glorificação do artista - este gosto pode ser explicado pelo ditados “água mole e pedra dura tanto bate até que fura” e “Não se tropeça em pedregulhos”). Infelizmente esta proposta não apresentou segundo os critérios de avaliação uma potencia e uma consistência dentro da proposta da disciplina do re-enactment.

A terceira tentativa (a que foi descrita logo no inicio deste texto) foi baseada na experiência de Paulo Herkenhoff em 1975 em que o artista defronte a câmera, em tempo-real, mastiga e engole notícias de jornal sobre a censura no Brasil em plena época da ditadura (fonte site Itaú Cultural). Identifiquei-me com essa performance dado a minha residência antes do Rio ter sido em Itaguaí que também sofre com problemas relacionados a imprensa. Estes problemas têm duas origens principais. Primeira a criação de uma siderurgia na zona limite de Itaguaí que destruiu mangues e outros sistemas ambientais presentes, contratou milícia para expulsar pescadores entre outras coisas sempre abafadas com notas na imprensa e um ferrenho sistema de advogados.  A segunda se refere a prefeitura da cidade que patrocina TODOS os jornais locais. Então todas as noticias são filtradas pelo departamento de imprensa da prefeitura (os índices altos de violência, os índices baixos de saúde e educação a impugnação pelo TRE) .De certa forma vivemos nesta região em uma espécie de ditadura branca da imprensa derivada de motivos econômicos e políticos. Assim ao realizar a viagem da central vindo a Itaguaí, realizei a atividade de um jornal com suas noticias sumirem materializando o que a “ditadura” regional faz ao “filtrar” as noticias.   
Realizada a atividade com sucesso sobre o olhar de alguns curiosos só me restou uma dúvida: será que a escolha do Noel Rosa não estava sujeito a um maior jogo e será que não tinha mais a ver com o conceito “insere o espectador na obra-proposição, possibilitando a criação de uma estrutura relacional ou comunicacional” (p.9 MELIM, Regina in Performance nas artes visuais) com uma maior participação do público como  elemento de interferência e determinador dos acontecimentos traduzindo assim maior fator de subjetivação dentro do aparelho urbana e das relações humanas.
E ainda até que ponto a performance foi além de tocar em mim mesmo e se traduziu em um jogo  cujas  formas, modalidades e funções evoluem conforme as épocas e contextos sociais.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

re-enactment de Taianã Mello

Eu preciso que você esteja aqui.
sobre performance e re-enactment.
Performance original:

 
Registro do re-enactment e depoimentos: http://www.youtube.com/user/taianamello#p/u
Conclusão*
(da experiencia de refazer)


“(...) o indivíduo dura para sempre e esquecemos o sentido da temporalidade, que estamos aqui apenas de passagem, por um segundo cósmico; estamos aqui e depois não estamos. Como usamos nosso tempo e damos sentido à nossa vida?” Marina Abramovic, em entrevista a revista DasArtes.


O re-enactment foi marcado para o dia quatorze de junho, e aconteceria entre 14h30min e 15h30. O que me possibilitaria assistir a maior parte da aula ATAT e também da seguinte ECDS. Logo de inicio tive problemas com a reserva do projetor digital reservado com cerca de um mês de antecedência. Somado ao tempo da montagem, perdi cerca de trinta minutos. Percebo que não havia salvado corretamente o vídeo que seria re-performado, Undertone, pois o endereço de arquivo não abria. Decidi também projetar os depoimentos. Comecei, enfim, um pouco depois das 15h e já bastante ansiosa. Durante a hora e meia de duração da performance entram no máximo 10 pessoas. Lembro que esqueci a seta com o nome da performance em cima da mesa de jantar da minha avó. Uma das primeiras “visitantes” após ouvir alguns dos vídeos que passavam nos computadores, se agacha diante da mesa na qual desenvolvo a partitura corporal feita por Vito Acconci, ela me olha nos olhos. Ela me encara durante cerca de três minutos. Sinto que ela poderia ter ficado mais, se não fosse o meu crescente desconforto com a situação. Não conseguia olhar nos olhos dela. Fiquei na duvida se parava de fazer a partitura e entregava minha mão a dela, estendida sobre a mesa. Revela-se, então, a minha incapacidade de estar ali. Digo, de estar ali de fato. Ouço os depoimentos que naquele momento estão passando. Penso em como aquelas pessoas falaram de si mesmas, de suas historias, de suas memórias, de seus afetos, de seus desejos. Nenhuma delas me contou uma historia, me contaram a historia. Assim que aquela visitante (ou talvez seja mais justo chamá-la performer) saiu da sala, virei o laptop que estava ligado ao projetor e assumi que aquilo já não era o re-enactment; simplesmente porque eu não estava sendo uma performer. Decidi também que aqueles depoimentos não seriam em vão. Um pouco depois de eu começar a falar Danielle percebe e começa a filmar. Foi lindo. Só percebi quando vi esse vídeo. Ela fez exatamente o que eu havia pedido: transformou o registro também em performance. E enquanto eu chorava, falava sobre tudo aquilo que eu acho atravancar o desenvolvimento fluido da minha vida profissional: minha paixão pela vida acadêmica e por professores que considero ícones e minha frustração freqüente no quesito ciência, na distancia entre atuação e presença, entre ser atriz e performer, que são pesquisas igualmente fascinantes para mim, falei sobre o cansaço, a casa nova que é muito longe, as semanas de atraso nas leituras por causa de um amor que não ficou... Todos esses motivos pelos quais aquilo não seria uma performance. Pensando agora, talvez não tenha sido um re-enactment, mas tenha sim sido uma performance. Era eu. Assumindo minha necessidade da palavra, da liberdade, da falta de roteiro. Era eu ali. Falando com o meu computador e deixando as pessoas ouvirem.
*O texto completo encontra-se em: http://taianatudomais.blogspot.com/

terça-feira, 22 de junho de 2010

A performance e eu, trajetória de uma relaçao - Celina Bebianno




  1. A descoberta de uma arte. 
Quando começou o curso e o conteúdo foi exposto pensei em trancar. Performance era algo que não me interessava e que na verdade me provocava uma certa rejeição. As coisas que havia visto me pareciam uma grande oba-oba em nome da arte, mais uma forma encontrada por pseudo-artistas para exibirem seus egos.  Como diz Hans-Thies Lehmann “Se o que apresenta valor não é a obra ‘objetivamente’ apreciável, mas um procedimento com o público, tal valor depende da experiência dos próprios participantes, portanto de um dado altamente efêmero e subjetivo em comparação com a obra fixada de modo duradouro. Torna-se impossível até mesmo definir a performance – por exemplo, o limite a partir do qual haveria meramente um comportamento exibicionista e extravagante.”, (LEHMANN, Hans-Thies, O Teatro Pós-Dramático. São Paulo: Cosacnaify, 2007 p. 227) A leitura de Lehmann para outra matéria provocou uma reflexão maior, que me levou a permanecer no curso: se voltei para a faculdade depois de tanto tempo não podia me fechar de tal maneira para algo que na verdade não conhecia. E o que mais me fascinou no processo de conhecimento foi perceber a enorme contribuição que o estudo da performance e das formas que ela adquiriu pode trazer para questões do teatro contemporâneo. Se a performance é o não-teatro porque vive do imediatismo, de um presente absoluto que não pode ser reproduzido, ela tem em comum com o teatro o desejo do encontro, ainda que em condições diferentes.

  1. As escolhas: três tentativas.

Resolvi então fazer o curso e comecei a pesquisar diferentes performances, procurando uma para reconstituir. Minha primeira escolha foi obviamente a mais segura, uma performance de Bruce Nauman realizada na solidão do estúdio e gravada em vídeo, intitulada Walking in an Exagerated Manner Around the Perimeter of a Square, algo sem riscos ou exposição. Não me passou muito pela cabeça porque fazer aquilo, se eu tinha que fazer então aquela era viável. Comecei a me preparar, assisti algumas vezes ao vídeo original disponível (um trecho) e  arrumei o espaço ( a sala de minha casa). Neste ponto estávamos lendo Renato Cohen, Lehmann e outros textos e então comecei a me questionar: Porque fazer aquilo? E me dei conta de que na verdade eu não me interessava por este artista e sim pela facilidade em reproduzir o trabalho. E, no entanto, se todo o questionamento é em torno da re-encenação da performance, esta cópia preguiçosa não fazia sentido nenhum. Então decidi procurar outra coisa. Achei um trecho de um trabalho de Pina Bausch que me encantou e quis reconstituir. Como são três pessoas chamei dois amigos atores com quem já trabalhei como diretora. E assim que comecei a preparar o processo vi que estava enrolando de novo já que eu simplesmente ia dirigir uma re-encenação e fazer uma pequena participação na qual toda a interação seria com os outros atores e fechada. Isto eu já fiz, muito, e não responde a proposta do curso. Como ainda estávamos no meio do semestre relaxei. Comecei a estudar as performances de Marina Abramovic já que me interessei bastante por ela depois de ver a entrevista e ler o texto da Art Press “Performances Contemporâneas” (Art Press No 7).



  1. Conversa com Marina Abramovic.

Pouco depois de começado o curso saiu uma matéria sobre Marina Abramovic na capa do Segundo Caderno do jornal O Globo, sobre a inauguração de sua exposição no MOMA em NY. A partir daí comecei uma longa ‘conversa’ com esta artista que tem sido para mim a materialização do meu entendimento da performance. A partir dela, de sua postura e reflexão sobre o próprio trabalho, sua capacidade (para mim fundamental no artista) de mudar, de renegar-se, voltar ao início e de se contradizer sem contradição comecei a entender (acho) o pensamento do artista performático, onde ele quer chegar e como ele está inexoravelmente ligado ao contexto em que vive e performa. (no que não é diferente do teatro, uma arte sem museus). No caso de Marina uma análise cronológica e biográfica do seu trabalho deixa clara a permanente conexão de vida e obra. Por exemplo, durante os anos na Iugoslávia, sob a pressão da violenta repressão política e familiar ela realizou várias performances em que os limites do corpo eram testados. Ela conta em uma entrevista que até os 29 anos, quando se exilou, era obrigada pela mãe a chegar em casa antes das 10h da noite e que neste anos fez algumas de suas performances mais dolorosas e perigosas. Os anos de seu relacionamento com o artista Ulay são marcados pelo trabalho a dois, inclusive a separação. Enfim, a arte da performance é para ela uma arte transformadora do artista, que propõe a transformação ao outro ao vivê-la. Ela é imediata, sem preparação espiritual ou mental, exigindo somente a decisão de fazê-lo. E mesmo quando é re-encenada exige o ato de presença total por parte de quem refaz, a experiência transformando a performance a cada re-encenação em outra performance.

  1. Decisão de não fazer.

Neste ponto eu decidi que queria fazer uma das performances de Abramovic e escolhi uma parte de “Balkan Baroque”, uma instalação feita por ela na Bienal de Veneza em 1987, um vídeo chamado “How we in the Balkans Kill Rats”. Comecei a decorar a história dos ratos e ensaiar a dança que ela faz no final e logo estava de volta ao lugar de onde parti: o teatro. Então pensei, bem e se eu contar a uma história de como se faz algo absurdo e cruel no meu contexto, (Rio de Janeiro, 2010) que tenha a mesma força do que ela conta?  E se ao invés da música folclórica que ela dança eu dançasse um samba? O contraste seria o mesmo. Mas aí eu comecei a ficar incomodada com esta forma estranha de copiar sem copiar e que também não sai do âmbito do teatro, já que é uma situação de palco/platéia, com toda a segurança que esta convenção gera.
Então estava neste ponto quando fui à aula e soube que um grupo ia fazer “Cut Piece”. Nesta performance todas as possibilidades de reviver de  outro jeito estão latentes, é possível fazê-la de novo e de novo sem copiar, vivenciando a cada vez e em cada contexto porque ela está, acontece,  na presença, no imediato e na entrega do artista ao momento. Ali estava a possibilidade do encontro. Decidi na hora que ia fazer e no fim da aula conversaria com os outros. E o tempo da aula foi o tempo de sentir a certeza de que eu NÃO ia fazer aquilo de jeito nenhum. (Esta certeza foi reforçada quando li e ouvi os relatos dos corajosos colegas que fizeram e repetiram.). Então ficou bem claro para mim que qualquer performance que eu fizesse seria uma imitação, um truque, porque eu não tenho nenhum desejo de fazer, não vou jamais tomar a decisão de fazer. Assistir aos vídeos, que achei muito bons reforçou esta certeza, de que na área da performance eu sou e serei sempre uma observadora. Falei com Tania Alice que me propôs escrever este texto explicando porque não fiz a performance. Resolvi escrever, ainda que não ache que está a altura do que deveria ser, porque funcionou como um processo de análise do trabalho com esta matéria.


  1. A performance e o teatro.

Como se posicionam então, no contemporâneo, teatro e performance em relação um ao outro? Haverá um campo intermediário?
Para citar Hans-Thies Lehmann, “A imediatidade de toda uma experiência compartilhada por artistas e público se encontra no centro da “arte performática”. Assim, é evidente que deve surgir um campo de fronteira entre a performance e teatro, à medida que o teatro se aproxima cada vez mais de um acontecimento e dos gestos de auto-representação do artista performático..” (LEHMANN, H, Teatro Pós-Dramático, São Paulo: Cosacnaify, 2007. p223) 
O teatro contemporâneo, assim como a arte contemporânea em geral, vive um momento de fragmentação. Nicolas Bourriaud em seu livro “Estética Relacional” discute esta questão no capítulo “As práticas artísticas contemporâneas e seu projeto cultural” (BOURRIAUD, Nicolas, Estética Relacional, São Paulo:Martins Fontes, 2009.) O artista se vê hoje obrigado a abrir mão do grande projeto de renovação, de reconstrução, de uma nova ideologia,  em função de um trabalho numa escala menor mas mais diretamente ligado a sua realidade imediata e portanto com mais chances de modificá-la. Isto pode significar uma oportunidade histórica a partir da qual tem surgido os mundos artísticos que conhecemos. “Em outras palavras: aprender a habitar melhor o mundo em vez de tentar construí-lo a partir de uma idéia preconcebida de evolução histórica.” (p. 18)
Nesta busca cada vez maior do diálogo direto com o receptor o teatro precisa mergulhar em questões  levantadas pela performance. Questões como presença, imediatidade, controle, contato, jogo e improvisação estão no centro de tudo que venho trabalhando em minha pesquisa e o estudo da performance causou um autêntico terremoto em meu pensamento, a tal ponto que decidi reiniciar um trabalho que estava parado há dois anos porque as questões estão bem mais claras agora, ainda que totalmente sem resposta. A repetição desejada pelo ator, necessária ao teatro, fatal na maioria dos casos é o centro da questão. Os processos de troca vivenciados pelo performer são o primeiro elemento a ser explorado, creio eu.  Acho que preciso aprofundar ainda muito meu entendimento deste universo para entender cada vez mais as possibilidades deste campo intermediário.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       

domingo, 20 de junho de 2010

Tehching Hsieh

http://www.one-year-performance.com/

O projeto de Tehching Hsieh (artista de Taiwan) consiste em realizar performances que duram cada uma um ano.
Esta foto é o registro de uma performance na qual ele ficou acorrentado durante um ano com Linda Montano.
A última performance dele é viver a vida, sem fazer arte, ler sobre arte ou ver arte...
Referências do texto "O mercado da performance", BARRIGA, Merle Ivonne e GARCEZ, Rodrigo, in "Espaço e Performance" (org. Maria Beatriz de Medeiros e Marianna F.M. Monteiro). Brasilia: Editora da UNB, 2007.

Yuri Firmeza

Foto de uma das supostas obras de Souzousareta Geijutskuka:



Outro trabalho de Yuri Firmeza de ocupaçao de espaços:



Entrevista de Marina Abramovic sobre a performance "A Casa com vista para o mar" (Entrevista com Ana Bernstein, Revista Sala Preta, USP)
www.eca.usp.br/salapreta/PDF03/SP03_012.pdf

sábado, 19 de junho de 2010

Releituras do New Look no caderno ela

É é só você começar a pesquisar algum tema que ele começa a aparecer em tudo quanto é lugar!
Aí vai o registro de mais uma coincidência.


sexta-feira, 18 de junho de 2010

Re-enactment de Valie Export por Roberta Wightman

Entre 1968 e 1971, VALIE EXPORT passou por dez cidades européias usando um pequeno cinema que envolvia seu torso nu. Nas ruas ela convidou homens, mulheres e crianças para tocá-la através de uma cortina (entrada do cinema) por apenas 30 segundos. O “espectador” não podia ver apenas tocar.
Nesta performance o corpo feminino não estava empacotado e pronto para ser vendido por diretores e produtores da indústria pornográfica. Ele estava sob o controle da própria mulher e era oferecido livremente pelas ruas desafiando assim as regras sociais da época. O espectador entrava em contato direto com uma mulher “de verdade” e sua privacidade não estava defendida por uma sala escura, muito pelo contrário. A cena se passava as claras e sob o olhar da mulher e de outros muitos espectadores.

VALIE EXPORT nas suas próprias palavras (traduzidas da melhor forma que pude):
“Como de costume, o filme é “exibido” no escuro. Mas o cinema encolheu um tanto – apenas duas mãos cabem dentro dele. Para ver (sentir, tocar) o filme, o espectador (usuário) tem que estender suas mãos pela entrada do cinema. Finalmente, a cortina que outrora se ergueu para os olhos, ergue-se agora para as mãos.

A recepção tátil é o oposto da fraude que é o voyeurismo. Enquanto o cidadão se satisfazer com a cópia reproduzida da liberdade sexual, o estado priva-se de uma revolução sexual. Tap and Touch Cinema é um exemplo de como a reinterpretação pode ativar o público.”

Escolhi essa performance por dois motivos. Queria um desafio. Algo que pudesse ao mesmo tempo me surpreender e me desestabilizar. A nudez em si não era uma questão, mas confesso que o contato físico me dava um certo medo. O segundo motivo foi que me interessei tanto pela forma quanto pela intenção de VALIE. Encontrei o Tap and Touch Cinema através de uma foto, que me impactou de cara. Além disso, todo o raciocínio por trás da performance me deixou bastante interessada e estimulada a tentar algo parecido.

O objetivo da performer, entre muitos outros, era separar o corpo feminino do erotismo: “Senti que era importante usar o corpo feminino para criar arte. Eu sabia que se fizesse nua, realmente modificaria como o público (maioria homens) iria me olhar. Não existiria desejo sexual pornográfico ou erótico envolvido – então ocorreria uma contradição.”

Fiquei instigada sobre o impacto dessa performance hoje em dia, já que a liberdade sexual e a posição da mulher na sociedade mudou drasticamente sem deixar, porém, de ser uma questão.
Fiz dois pequenos cinemas. Um era limpo, sem nenhuma informação. No outro colei fotos e textos relacionados à performance fazendo um link direto com a questão dos direitos autorais proposta pela Abramovic. Queria comparar as duas possibilidades. Escolhi uma blusa cavada até o umbigo. Desta forma eu estava nua, porém a nudez não era visível e dessa forma não era esperada.

Respirei fundo, criei coragem e parti para Rio das Ostras, mais precisamente para o Festival de Jazz e Blues que ocorreu entre os dias 3 e 6 de junho. O objetivo era fugir do ambiente universitário de artistas engajados da UNIRIO onde a sexualidade é explorada com mais facilidade e onde uma performance é recebida com muitos pré-conceitos. Fui para um ambiente de multiplicidade: artistas, políticos (Viva o Gabeira!), cidadãos que nunca ouviram falar de performance muito menos de VALIE EXPORT e os bêbados de costume.

PRIMEIRA TENTATIVA:

DESASTROSA – Com o cinema batizado por mim de “sem legendas” não obtive muitos resultados. Confesso ser a maior culpada. Minha dificuldade era em como me dirigir às pessoas pedindo que elas me tocassem. Além disso, o momento não podia ser pior. Fiz minha primeira tentativa durante um show às duas horas da tarde. Eu estava concorrendo com músicos extraordinários e perdi feio. Tentei me aproximar poucas vezes. Obtive um “NÃO, muito obrigado”, um “Pra que?” e alguns olhares de desdém. Frustrada, desisti muito rápido.
14 de junho de 2010 20:00
Robertinha disse...

SEGUNDA TENTATIVA

DESESPERO – Com o cinema “com legendas” foi bem mais fácil e bem mais difícil. Dessa vez optei por um approach passivo e um momento mais apropriado. No início algumas pessoas olhavam de longe e cochichavam. Depois algumas vieram ler o que estava escrito. Assim que percebiam que eu estava nua elas se negavam a me tocar (Fica para uma próxima Gabeira!). A vergonha foi passando e lentamente alguns homens começaram a se interessar pelo “jogo”. Alguns toques foram interessados (os homens liam para depois me tocar), constrangidos e respeitosos. Depois a informação de que eu estava nua foi passada de boca em boca e alguns homens chegaram unicamente com a intenção de comprovar o boato. Me perguntavam “você está pelada? Sério? E pode tocar assim? De graça? Entre muitas outras perguntas. Esses nem se interessavam pelo texto. Passaram gelo, apertaram meus mamilos e ganhei alguns números de celular, tudo isso sempre a base de muita risada e piadas. Quase todos questionaram os meus motivos. Eu respondi apenas uma vez quando percebi que a pergunta não era depreciativa. Disse algo parecido com “Para me tocar você precisa de um motivo? Não basta eu estar pedindo?” O homem se calou e foi embora. Ganhei o apelido nada carinhoso de PEITINHO por um grupo de bêbados. Um chegou a enfiar a cabeça dentro do cinema. Retruquei dizendo que era apenas para tocar e não para ver. Ele resmungou e jogou uma nota de dez reais. Nesse momento atingi o meu limite. Deixei os dez reais no chão e fui embora.

TERCEIRA TENTATIVA
COMPRA E TROCA – Esses três momentos foram feitos em lugares distintos e distantes um dos outros.

No último dia, ainda muito ofendida com os dez reais tentei inverter a situação. Fui para o palco principal onde ocorriam os shows à noite. Levei muitas notas de 2 reais, 4 rolos de papel higiênico e 20 cervejas num isopor. Primeiro comecei a comprar toques. “DOIS REAIS POR UM TOQUE” eu dizia com uma postura mais agressiva. Às vezes dizia “Você pode me tocar, por favor, eu te dou dois reais”. As pessoas não entendiam, duvidavam e os poucos homens que me tocaram o fizeram com constrangimento. Gastei somente 6 reais.

Depois comecei a trocar um toque por uma cerveja. Deixei a agressividade de lado. Isso durou 10 minutos ou menos. Formou-se uma fila e o público era de fanfarrões. Escutei “Oba! Mãozinha no peitinho e ainda ganho cerveja! “Casa comigo!”. Um homem chegou a falar que se eu pegasse no pênis dele ele me dava um whisky.

Constatando que nenhuma mulher havia me tocado fui para perto dos banheiros químicos. O título do filme era “UM TOQUE POR UM PEDAÇO DE PAPEL”. Pedi que uma amiga se fizesse de exemplo. Muitas riram, outras pediram o papel pelo “Amor de Deus”, mas não me tocaram, e outras mais corajosas me tocaram muito rapidamente. Uma única mulher me tocou no rosto. Dei para ela dois pedaços de papel pela ousadia. Depois de um rolo dei por encerrada a sessão.

A experiência foi exaustiva. Domingo, quando voltei para o Rio, não consegui sair da cama. Acho que ainda estou “digerindo” algumas informações. No entanto, algumas coisas me marcaram bastante
Ninguém me olhou nos olhos enquanto me tocava. E os poucos que tentaram rapidamente desviaram o olhar. O incômodo foi tão grande assim? Mesmo os que se sentiam a vontade para me humilhar ou zombar de mim não tinham a decência de me olhar. Primeiro comecei a achar que poucas foram as vezes que uma ligação/uma relação ocorreu durante as performances. Tudo era muito superficial. Depois entendi que relações ocorriam SIM, mesmo que os OUTROS não tivessem a coragem de assumi-las. Muito eu podia dizer sobre os homens que me tocaram. Será que eles podiam dizer muito sobre mim? Será que eles prestaram atenção? Comecei a questionar se esse não era o problema da sociedade atual. A sexualidade ganhou tamanha liberdade que se perdeu em algum momento. O toque passou a ser motivo de zombaria? Ou é tão difícil tocar uma pessoa que é preciso disfarçar!
Como está escrito no texto Estética Relacional de Nicolas Bourriaud “Nos romances de Witold Gombrowicz, vemos como cada indivíduo gera sua própria forma através de seu comportamento, sua maneira de se apresentar e se dirigir aos outros. Ela nasce nessa zona de contato em que o indivíduo se debate com o Outro para lhe impor aquilo que julga ser o seu “ser”. Então quando um ser não encara o Outro nos olhos ele não está encarando a si mesmo. Como diz Sartre “O inferno são os Outros”.
Entendi também que talvez a direção que a performance acabou tomando pode ter vindo da minha postura passiva. Foi uma escolha tomada pelo medo. Isso me deixou mais vulnerável e exposta do que eu já estava. Quando uma mulher vai a uma rua pedindo para que a toquem isso tem uma força incrível. Quando uma mulher espera para ser tocada isso a fragiliza e abre uma brecha imensa para que a piada tome conta. Quando tive uma postura mais agressiva poucos tiveram a atitude de me tocar.
O que isso diz sobre mim? O que isso diz sobre a postura das mulheres em geral? Sobre mim posso dizer que muito da minha postura é uma tentativa de camuflar minha insegurança extrema. Confesso estar até hoje muito transformada e muito sensível a todas essas informações.
É difícil comparar a “minha” performance com a de VALIE EXPORT. Primeiro por não saber sobre as repercussões de Tapp- und Tast-Kino e segundo porque a performance ao ser realizada ganhou uma outra direção e novas questões foram atreladas a elas, questões que nem eu sei direito como responder.

14 de junho de 2010 20:02

mona lisa urbana com3064 copos de leite e café, em sidney

 








quinta-feira, 17 de junho de 2010

idéia postada por Bianca Arcadier

"Perca um Livro é uma iniciativa que pretende trazer para o Brasil uma prática internacional de incentivo à leitura. A idéia é "perder" um livro em lugar público para ser achado e lido por outras pessoas que, então, farão o mesmo. O objetivo é fazer do mundo inteiro uma livraria."

http://www.livr.us/

terça-feira, 15 de junho de 2010

Com que roupa eu vou?

Flávio de Carvalho. Anos 50. Experiência n°3. Ao criar o New Look Flávio problematiza uma estética da moda imposta por padrões criados muitas vezes em desacordo com o lugar, a cidade e/ou país onde se abosorve tais influências. O look criado era composta de blusão, saiote, sandálias e perna nua. Ao me deparar com a necessidade de reproduzir uma performance na matéria ATAT e lendo várias possibilidades me identifiquei de imediato com o questionamento lançado por Flávio. Eu particularmente gosto de usar saia, passei momentos de minha vida particular em que usava e percebia sempre um grande movimento a minha volta, era sempre muito abordado na rua por vários tipos de pessoas, desde curiosos até os mais incisivos e preconceituosos. Essa lembraça e sentimento que me moveram a pensar o trablaho de Flávio de Cravalho totalmente "atual" e a partir disso tentei desenvolver a recontituição da performance.
A proposta do Flávio estava embasada nas questões do clima e no quanto o uso de saias e pernas nuas traria uma sensação de frescor para os homens. A não obrigatoriedade de usar roupas fechadas. Eu fiz um paralelo particular com a sensação que sentia ao usar saia e percebi que sair de saia é por si só uma "performance".
Ao conhecer a experiência n°2 do Flávio em que ele anda numa procissão com um chapéu e na contra mão do fluxo estabelecido, ele tensiona o poder das massas e principalmente a atitude das multidões. Nesse experimento ele teve que sair escoltado pela polícia ao fugir dos fiéis que se revoltaram com sua atitude e tentaram linchá-lo.

Tentando uma paralelo entre a visão massificada e o poder das massas junto com a sensação que sentia ao usar saias, decidi fazer o seguinte experimento: usei uma saia e uma sandália na parte inferior do traje e coloquei uma camisa e uma gravata na parte superior. (Registros serão lançados no final). Fui a praia de copacabana com um guarda sol e no calçadão tomei 1 sorvete e um picolé.
Pensando a performance como uma "mistura" entre as artes, como uma possibilidade autônoma diante dos registros cotidianos da cidade busquei estabelecer uma ligação entre a possibilidade de autonomia entre as roupas masculinas e femininas na sociedade bem como resgatar o questionamento principal de Flávio de Carvalho com relação ao clima de nosso país e a obrigatoriedade de uso de roupas fechadas e incompatíveis com nosso clima.
Uma coisa particular que me aconteceu durante a performance é que por estarmos em uma época de clima mais frio no Rio de Janeiro eu ao tomar 1 sorvete e um picolé no calçadão e usando saia passei muito frio. Algumas pessaoas me abordaram perguntando o que se tratava, outras fazendo brincadeiras e outras talvez ridicularizando, mas de fato o que mais transformou minha experiência foi o frio que passei. Nesse sentido o pensamento levantado por Flávio em 1956 parace ainda hoje completamente pertinente. Como um traje inadequado pra uma temperatura traz questões muito concretas a serem pensadas pela sociedade.
Devido ao frio fiz uma ação de 40 minutos apenas e vou refazer em um horário de mais sol, pois dessa vez trabalhei no fim de tarde.

Pensar o ato performático como um tensionamento do cotidiano, como uma busca de relativização do tempo-espaço proposto pelos padrões sociais e como uma possibilidade política dentro do sistema que estamos envolvidos acredito que a escolha da experiência n° 3 de Flávio de cravalho me contemplou com o sentimento e a certeza de atemporalidade dessa sua obra. A experiência propriamente dita me deixou inteiramente vulnerável ao frio, fato que é questionado por ele com relação ao calor, dessa forma estou bem inclinado a fazer uma série de reproduções em vários locais da cidade do Rio de Janeiro e talvez até em outros estados.
Assim que tiver novos registros disponibilizarei nesse blog.

abraços em todos
Jarbas Albuquerque

segunda-feira, 14 de junho de 2010

KARDINAL - OTTO MUEHL - por Gunnar Borges

Otto Muehl: Kardinal (versão original)





Re-enactment de Kardinal (Gunnar Borges)




Neste trabalho pretendo relatar como foi a experiência de reproduzir uma performance. Escolhi o vídeo “Kardinal”de Otto Muehl para embasar o meu trabalho e minha pesquisa. Primeiramente irei focar um pouco sobre obra e vida deste polêmico artista.
                   Otto Muehl nascido em Grodnau, em 1925, foi um artista que teve sua trajetória marcada por perseguições policiais, polêmicas jornalisticas, escândalos, rebeldia até mesmo cumprimento de pena de reclusão durante sete anos. Parte deste marco deveu-se ser ele um significativo membro do movimento acionista vienense, movimento do qual sempre fez parte desde início da sua carreira na década de 60.
Nos filmes, em geral decorrentes das “ações acionistas”, é possível travar contato com várias parafilias, com um anticlericarismo radical e com ataques diversos ao establishment, entre outros itens de um cardápio variado de reflexões fortemente subversivas sobre questões do pós-guerra, realizadas no ambiente ultraconservador da Áustria dos anos 60.
Seus filmes, também, carregam relatos históricos de época em que tudo parece vestir-se de algum simulacro. A escatologia, a pornografia exposta de maneira rebelde e agressiva fazia parte de uma discussão, sobretudo, um protesto a realidade política e social vigente.
A opção por escolher um vídeo de Otto Muehl, além de querer desenvolver questões pessoais sobre uma obra já criada, achei interessante a performance vir como sua própria documentação. Muito dos vídeos produzidos pelo artista tinham a intenção, até mesmo editorial, de se produzir pela imagem um protesto. O “aqui” e “agora” da performance cabiam ao trabalho dos que participavam, mas o efeito afetivo e disseminador de uma idéia vinha pela imagem exposta puramente. Sobre isto acho válido expor uma analise de Andrew Grossman sobre o cinema acionista de Otto:
“A maioria das ações mais famosas de Mühl realizadas durante os anos 60 foram documentadas pelo diretor experimental Kurt Kren, famoso pela patenteada técnica de ‘flash-editing’, que fraciona matematicamente imagens em cortes múltiplos por segundo, criando um efeito estroboscópico onde o número de cortes de cada sequência é dertermina pelo número de cortes da sequência imediatamente anterior. Estamos então confrontado com o paradoxo das performances materialistas e em tempo real de Otto Mühl sendo editadas discontinuamente em ‘flash-editing’ e temporariamente reconstituídas pela maquinação anti-realista da vanguarda kreniana. O efeito estroboscópico da edição de Kren é ao mesmo tempo futurista e primitivamente daguerreotípica. (…) Esse paradoxo de uma performance em tempo real apresentada dentro de sequências fortemente reestruturadas nos lembra firmemente das limitações da representação temporal e a necessidade eventual de partir da arte representativa ao império de ações-análises de Mühl, ou auto-representações ao vivo”
O vídeo “Kardinal” (Cardeal) gravado em 1967 foi meu suporte para desenvolver o trabalho.  A cena que se vê no vídeo parte de uma opressão do poder sobre o homem, onde sobre ele é despejado uma série de excretos e escatologias. Pensando sobre o ato performático de estar submetido a alguém e passivo a qualquer coisa que me impusessem, pensei numa questão atual e recorrente a sociedade de hoje: a invasão dos produtos alimentícios industriais e sua manipulação e desvirtuamento do corpo como cuidado vital.
Para poder expressar este conflito, quando fiz a performance escolhi estar submetido a uma porção de embalagens e aos alimentos industriais vendidos principalmente em lanchonetes e supermercados. Tudo isto para encaminhar numa deformação da própria imagem por todos esses produtos.
Tendo visto que vivemos numa sociedade capitalista e de consumo descontrolado, a comida, fator de pulsão vital para o homem, é colocada como mero produto de enriquecimento, disfarçado de “comida prática para a modernidade”. Os fast-foods e outros produtos se aventuram na alquimia das suas composições, inventando sabores e doenças. Se tudo isso fosse permeado por uma discussão, onde o sujeito tivesse a liberdade de escolha para o que vai comer, seria válido. Mas vivemos num lugar onde atrelado a alimentação o homem ignora a saúde e ovaciona o capital, transformando corpos em armazenamentos de doenças e deformidades, bloqueado- pela mídia e pelo marketing obsessivo- o sujeito ignora a real necessidade do corpo e a melhor forma de alimentá-lo.
Assim como o vídeo “kardinal” optei que tudo fosse registrado uma única vez, para que no vídeo, por conseguinte, no seu registro, contivesse a espontaneidade do ato performático. Por isso, ao passo que os produtos vão sendo jogado e tomando sua forma agressiva gradativamente, eu passivo, vou me preenchendo de sensações. O corpo reage por sair, a boca quer cuspir, vomitar, as mãos querem limpar, os olhos querem se fechar e ignorar tudo por vez. Daí que me senti de certa forma passando por aquilo que abordamos quanto a auto-transformação do performer. Estar submetido e quieto a algo que lhe desagrada com certeza provoca uma instabilidade mental e corporal, provocando em mim- e espero que exposto no vídeo- abordagens sobre o cuidado consigo.
A gradação da agressividade como coloquei acima, veio de uma questão que penso sobre se alimentar como um ritual. Alimentar provém de um olhar e uma escuta ao corpo e suas necessidades, sendo cada ser único, cada corpo precisa receber aquilo que lhe cabe e ser respeitado ao seu tempo, e a maior fonte para isto, acredito eu, venha de um lugar fora de embalagens e composições químicas. O vídeo mostra basicamente um bombardeio de alimentos e embalagens, ao qual permeiam do carinho, da surpresa até a agressão, expressando assim um ritual externo ao nosso essencial. Deixando, por fim, uma imagem totalmente desconhecida e deformada da que foi apresentada.
Para codificar com o vídeo de Otto, tentei manter a cor ao qual o artista mostra no seu vídeo, o vermelho. Abordando, assim, um clima de tensão e uma atmosfera emergencial. Também, optei por iniciar o vídeo estando com a boca tapada, só que no meu caso com um rótulo de uma marca, diferenciado do arame que é lhe é colocado, mas mantendo a idéia de submissão e exclusão do direito de resposta.
Penso ainda que este trabalho tenha sido difícil para o outro performer que me atirou os alimentos, ao inicio estávamos nervosos, eu pelo estado passivo e o outro pelo estado agressivo, sem sabermos como agiríamos. Experimentamos um lugar concreto de relação de poder hierárquico e ditador, onde a ferramenta e o controle, eram as comidas e embalgens oriundas do mercado de produtos. Estado quase de tortura e protesto.
                  

Um dia no traje - Reenactment da Experiência n.3 de Flávio de Carvalho


Ao olhar a performance como uma linguagem artística híbrida das artes visuais e cênicas, que tem na sua origem formal a presença do artista realizando uma proposta situacional específica, nota-se que ela rompe não só com a forma, mas também com as propostas de institucionalização e registro usuais a elas. Com estes questionamentos acerca da natureza do acontecimento e da documentação da performance iniciamos nosso curso de ATAT. Essa linha de raciocínio nos levou à conhecer a idéia de reenactment, entendida como uma possibilidade simultânea de registro e criação a partir de uma performance já realizada.

Meu trabalho se desenvolveu a partir da performance Experiência n.3, do arquiteto, artista plástico, performer, escritor, ou seja, do múltiplo Flávio de Carvalho. No verão de 1956, o artista percorreu o centro de São Paulo lançando seu “New Look”, o traje tropicalista para o homem brasileiro, segundo Inti Guerrero*, “um traje executivo masculino, concebido especificamente para as condições climáticas, econômicas e culturais do homem urbano nos trópicos”.Esse traje era composto por uma minissaia de pregas, sandália baixa, meia arrastão e blusa de tecido fino e modelagem solta. Este trabalho, assim como muitos outros do artista, teve uma esfera de ação e integração com os meios de comunicação vigentes, o que afirmou o trajeto executado durante a performance como um grande lançamento da nova vestimenta. Inclusive, o artista informou à imprensa com antecedência a respeito da hora, local e ação que seria executada e, por um certo período, o trabalho obteve repercussão em jornais e televisão.


imagens do site http://acidadedohomemnu.blogspot.com/2010/04/flavio-de-carvalho.html

A performance de Flávio é, simultaneamente, estranha e familiar ao público. Ele fala de identidade, integração e pertencimento a um local através de um elemento que, diariamente, se situa entre nós e o meio: a roupa que vestimos. Esse local do qual trata é especificamente a metrópole brasileira dos anos cinqüenta, com suas características climáticas, econômicas e culturais, e o novo look proposto pelo artista busca perceber e integrar ao cotidiano do brasileiro estas características. Flávio está falando da negação ou da afirmação de uma identidade local, de um homem permeável e atento ao meio onde vive.

Ao iniciar o projeto de reenactment para esta performance, decidi partir da sentença “lançamento de traje tropicalista para o homem brasileiro”. Percebi que teria que criar uma outra versão do traje, já que uma primeira impossibilidade se apresenta instantâneamente: é impossível para mim manter a fidelidade de gênero e causar impacto ao usar uma saia! Além disso, decidi problematizar o uso do tropicalismo como base conceitual e a ação de lançamento executada pelo artista.

A reflexão sobre o movimento tropicalista, me levou a buscar movimentos de vanguarda brasileiros que também questionam a identidade do país com seus trabalhos. Assim cheguei ao movimento antropofágico das décadas de 20 e 30, e à teoria perspectivista, estudo antropológico que está sendo formulado atualmente com base em apontamentos sobre a relação indígena com a alteridade e apropriação**. O entendimento destes dois movimentos contribuiu para a tentativa de criar um traje que se aprofundasse nas questões culturais e identitárias, sem deixar de lado as climáticas e econômicas. Assim, guias, penas e um turbante se uniram a uma saia plissada, salto alto e maleta de trabalho.

foto: Claudia Arcadier


Outra questão levantada foi a ação de lançar o traje. O apelo midiático detido pela figura de Flávio de Carvalho não me pertence, e seria muito pouco provável executar um lançamento nas proporções alcançadas por ele, o que ao meu ver, acabaria por empobrecer a ação, já que um lançamento só se faz diante da expectativa que o público tem de ter acesso a uma novidade. Por isso busquei outra ação, que também evidenciasse um certo modus operandi econômico/social da cidade. Essa reflexão evidenciou outra diferença entre a situação na qual se deu a performance original e a do reenactment: o local. Flavio de Carvalho executou seu trabalho no centro se São Paulo e eu, no centro do Rio de Janeiro. Ambas cidades são grandes metrópoles e centros econômicos, mas com características diferentes. Decidi, assim, afirmar um certo caráter despojado do qual o carioca tem fama e escolhi reinserir a banana, um produto tipicamente brasileiro e barato, no comércio informal da cidade. Minha ação seria comprar para, em seguida, vender, trocar ou mesmo dar as bananas.


O trajeto realizado foi o seguinte: saí da minha casa, fui até o Hortifruti mais próximo, peguei ônibus até o Largo da Carioca, andei, realizando eventuais paradas, até o Mercado popular da Rua Uruguaiana. Foram diversas reações: estranhar, rir, agir com naturalidade forçada, fotografar, elogiar, questionar, aceitar, entrar na proposta, levá-la além, recusar a banana, temer, não notar etc.


fotos: Claudia Arcadier e Joana Balabram


Ao terminar a performance, minha mala continha alguns dos objetos que foram trocados (outros, como a goiaba e o dinheiro não ficaram até o fim, pois foram trocados mais de uma vez). Foi interessante notar como eles também podem, assim como o traje, ser representantes da identidade brasileira: guaraná, pomada da índia, manjericão, divulgação de agencias de créditos e paçoca (as penas e trajes da imagem não foram fruto de troca, e sim, parte do traje).


foto: Bianca Arcadier


A realização deste reenactment/performance foi muito interessante para mim, principalmente porque busquei me apropriar das questões que noto no trabalho original e reconstituí-las de modo a que faça sentido para mim e para a maneira como percebo o espaço-tempo no qual me encontro.


Adorei o curso! Beijos, abraços e saudações a todos,


Bianca Arcadier

* Inti Guerrero foi curador da mostra “A Cidade do Homem Nu”, que reuniu obras de Flávio de Carvalho e outros artista no MAM de São Paulo, de abril a junho de 2010.


** Para mais a respeito, buscar o trabalho do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro.




Reflexão em P e d a ç o s . . .

..."Arte se desenvolve em função de noções interativas, conviviais e ralacionais."

(BOURRIAUD. 2009, p.11)



A Performance, como ato artístico independente, surgiu na década de 60 por causa de circunstâncias históricas muito específicas e buscava uma forma de 'transgressão das normas sociais' e artísticas, trazendo assim um conceito de experiencia do real à arte. Algo como uma arte conceitual onde a fronteira entre performance e teatro se estabelece a medida que a imediatalidade do tempo, espaço e corpo do performer, realizador da arte performática, se opõe ao conceito até então estabelecido de teatro como espaço para a representação, com duração determinada e que separa espacialmente o local da ação do local de onde se recebe a ação. palco e platéia.
Essas transgressões da performance se realizam ao expor esse novo fazer artístico que quebra a barreira da Obra de Arte, possui objetivos a partir de reflexões diretas sobre o mundo e incita o espectador a sair da posição de contemplador da arte e se tornar participador dela.

A partir desses pressupostos sobre a performance afirmo: Isto é um registro. Não é um desdobramento ou reprodução da arte. É apenas um documento que relata, analisa e relaciona as performances Cut Piece realizadas por Yoko Ono em 1964 e 2003 e por mim, Rany Carneiro, em 2010.

Em 1964 a performer Yoko Ono realizou pela primeira vez a performance Cut Piece no Japão. Sabe-se a partir de registros que a ação performática estava contextualizada com o momento de guerra e tensão mundial perante a Guerra Fria e tinha como objetivo a relação artista/público participador. Yoko expunha assim a passividade do performer perante as ações do participador, que utilizava a tesoura em sua roupa de forma que desejasse, comparando simbolicamente a ação de cortar com a violência em todo o mundo.
Fabio Cypriano afirma em sua texto que 'cada performance possuía um objetivo e quando ele era alcançado, era preciso conseguir um novo.' Foi assim que se realizou em 2003, em Paris, pela própria Yoko Ono devido ao contexto de tensão ao terrorismo pós 11 de setembro, um re-enactment de Cut Piece onde houveram desdobramentos e os próprios objetivos da performance se modificaram.
A realização do re-enactment, nesse caso pela própria performer, possibilita um novo olhar sobre a performance já ocorrida possibilitando enxergar novos questionamentos e retira qualquer status de intocável que a arte ainda possa ter. Elevando para uma esfera onde o fazer artístico afeta e se modifica o tempo todo pela história e pelas pessoas que a fazem.

Foi então com esses conhecimentos e questionamentos sobre esta performance que decidi realiza-la. E realizar o seu re-enactment.
Junto a mais três performers me instalei, durante uma tarde, num corredor da Uni-Rio, munida de tesouras e um cartaz, onde estava escrito 'Cut Piece-Corte um pedaço'. A tradução, errônea, do nome da performance danda uma conotação de ordem pode ter interferido diretamente no desenrolar da performance, porém a escolha do local foi feita por nos passar uma certa segurança que a instituição possui e para obtermos uma atenção significativa daqueles que ocupavam aquele espaço e passavam diariamente por ali.
Eu tinha como objetivo nessa primeira performance manter o questionamento relacional exposto por Yoko em 64- a passividade do performer diante do participador e sua ação- a partir das minhas reflexões sobre o contexto histórico e relacional da contemporaneidade e a visão de limite para o performer e para o participador. Porém conforme a performance se seguia passei a observar a ação do participador e a perceber que a relação que se estabelecia comigo e com a tesoura era para cada participador, particular. Era como se naquele momento em que o participador tinha a tesoura na mão, ele entrava em coneção apenas com ele mesmo e se enxia de um sentimento de poder que não poderia ser questionado nem por outros e nem por ele mesmo.
Em sua maior parte a performance foi carregada de terror psicológico e agressividade por parte do participador diante da minha total total passividade e a questão artística da performance s perdeu em meio a apostas sobre o limite de exposição para cada performer. Porém, essas relações não são mais do que consideradas 'normóticas'- termo que aqui emprego me referindo a a reações esperadas por parte da grande maioria da pessas- perante um ato artístico. A banalização dos objetivos e a agressividade do participador/receptor são percebidas no mundo como um todo, e o ocorrido na nossa performance foi apenas um reflexo das relações e ações do ser humano.

A partir então do que ressoou dessa primeira performance e em cima de uma reflexão das reações humanas, realizei o meu re-enactment da minha performance, e assim como Yoko Ono, com estrutura e objetivos diferenciados.
Dessa vez realizamos o Cut Piece, apenas eu e o Claudio, sentados um de frente para o outro em uma livraria durante o lançamento de um livro. Escolhemso um espaço que nao interferisse diretamente no caminho daqueles que estavam no local e não usamos algo que nomeasseou conduzisse a performance como a placa com a tradução. O tempo então, assim como na primeira vez, era determinado pelo decorrer da performance. Porém em oposição a primeira performance, as relações que se estabeleceram foram mais espaçadas e pontuadas.
Como objetivo eu buscava participadores com ações 'anormóticas' perante a minha passividade como performer. Um participador que não se relaciona-se com a tesoura e comigo de forma esperada e com gestos agressivos pois possui um olhar diferenciado sobre a performance.
Não posso negar o fato de diversas pessoas terem agido de forma esperada,'normótica', cortando aleatoriamente pedaços da roupa estabelecendo relações de poder comigo e com ação,assim como na primeira vez, porém foram as ações em oposições a estas que se tornaram relevantes para a finalização e obtenção do objetivo da performance. Algumas pessoas usavam do tecido e da tesoura para fazer mascaras, reorganizam nossos corpos para compor uma obra de arte. Outras usavam a tesoura para massagear e soltar as amarras que nos deixavam em situações desconfortáveis. Era esse tipo de ação que eu buscava como objetivo. Uma ação em que o participador não fosse meramente aleatória e de cunho pessoal, mas que se importasse com a relação e com o performer.
Nesse momento em que vi -materialmente- ações anormóticas serem realizadas, agradeci e me levantei. A minha performance aquele dia estava completa.

Relacionando então as quatro performances,as duas vezes da Yoko Ono e as duas vezes minhas, percebo que o ato performatico se estabeleceu como uma experiência bilateral onde performer-como pessoa e não um personagem- e público, como agente participador da ação se relacionam e se afetam. É a Arte que se da na relação. É de cunho reflexivo também que a cada vez em que Cut Piece foi realizada possuía um objetivo específico diferenciado, conforme o contexto inserido e os questionamento do performer no momento, expondo assim um caráter universal para a realização da performance. Caráter esse que não creio ser específica do Cut Piece, mas abrangente a todas as performance já realizadas pois o que importa é a reflexão que cada performer vai fazer para tratar do diversos assuntos da sua contemporaneidade. E se é possível questionar relações atuais partir de performances realizadas inicialmente na década de 70, porque não?! Só nos mostra que as transgressões que aqueles artistas buscavam para recriar o olhar sobre o fazer Arte ainda são extremamente necessárias.







Laranja - Origem - Ducha

Laranja
por
Laranja



“não se pode entrar duas vezes no mesmo rio,
pois ele já não será o mesmo, nem você”
Heráclito.




Re-enactment da performance Laranja do artista DUCHA realizado no Rio de Janeiro (2000) São Paulo e Recife.


No fluxo da atividade artística contemporânea vemos a produção da performance sob constante investigação crítica de conceito, crescente documentação, diferentes formas de registros e no centro de grande discussão, problematizando, inclusive, o mercado da arte.
Marina Abramovic, uma das artistas com maior visibilidade da arte contemporânea, realiza performance desde os anos 70 e com alguma frequencia estabelece códigos, sistematiza regras dinamizando o conceito de performance. Considerando-a uma artista em constante atividade e reflexão, é natural constatar que nos últimos anos ela contrariou suas próprias e antigas regras – “sem ensaio, sem repetição, sem final previsto” – ao estabelecer medidas para a recriação de performance.
Em 2001 com A litle bit of History Repeated, proposto pelo curador Jeans Hoffmann, e depois, em 2005 com Seven Easy Piece de Abramovic, a arte da performance parece ter se colocado numa nova reflexão sobre si mesma, o da re-encenação, ou da reconstituição, ao expor trabalhos onde um artista recriava a performance de outro artista. Jeans Hoffmann convidou 10 artistas (dentre elas a brasileira Laura Lima) para cada um recriar performances históricas, mais tarde, Abramovic realiza uma “ação” que permitiu uma leitura crítica entre as duas ações (curador x artista) independente de ser esta a intenção ou não, o fato é que Abramovic recriou 7 trabalhos de artistas diferentes estabelecendo regras para a recriação – peça permissão ao artista, pague o artista pelos direitos autorais, realize uma nova interpretação da peça, exiba o material original: fotografias, vídeos e objetos; exiba a nova interpretação da peça – e problematizando os, já tão variados, conceitos de performance.

Sob tal problemática escolho recriar o trabalho Laranja para tentar refletir sobre a mesma e outras questões.

Há 10 anos atrás, num cruzamento do trânsito do centro do Rio de Janeiro, sendo mais precisa, onde a Rua Buenos Aires encontra a Av. Rio Branco o artista Ducha inaugurou como espaço de arte, a ESQUINA e ali levou dois trabalhos, A Cama, onde um casal está deitado numa cama, com travesseiros e lençóis, devidamente adequada para o sono se não fosse a fila de carros que aguardava o sinal verde e o movimento de pedestres apressados que tentavam então desviar daquele objeto deslocado, e Laranja, um pedestre carregando um grande saco de papel cheio de laranjas, aguarda para atravessar a Av. Rio Branco, quando seu sinal abre, ele se adianta junto com a multidão habitual desses momentos, porém no meio da travessia rasga o fundo do saco e uma centena de laranjas rolam na avenida. Nos anos posteriores, outros artistas, como Ricardo Basbaum, Bob N, Jarbas Lopes, fizeram seus trabalhos na ESQUINA inaugurada por Ducha.
Daí em diante, a cidade adquiriu potencial poético sob meu olhar (devo explicar aqui que fui a mulher do casal na cama, onde deitei com o meu marido e o mesmo carregou o saco de laranjas em 2000) e não posso negar que a reconstituição de Laranja agora por mim (2010), habita um espaço de memória, mas também de imaginário e reflexão, na medida que reconheço nessa obra potenciais do acontecimento num curto espaço e tempo de convívio inesperado entre artista e o outro.

Mesmo crendo que a performance corre o risco de uma espécie de museificação a partir das regras proposta por Abramovic, concordo com sua preocupação ética e não poderia re-fazer Laranja
sem a autorização do artista, além do que acredito que o diálogo que se estabelece entre os dois artistas deve ser potente à realização do próprio trabalho, e assim foi.

Laranja ocupa lugar na teoria da Estética Relacional, que segundo seu criador, o curador Nicolas Bourriaud faz parte de forte interesse da arte contemporânea, onde o jogo se desenvolve em função de noções interativas, convivais e relacionais.

“Criações ou explorações de esquemas relacionais, essas obras constituem microterritórios relacionais intermediados por superfícies-objetos” Bourriaud, Nicolas in. Estética Relacional.

“(...) atuam num campo que pode ser chamado de esfera relacional, que é para a arte de hoje aquilo que a produção em massa foi para a pop art e a arte minimalista” idem


No espaço urbano dos grandes centros, querendo ou não, obedece-se às regras de convívio já institucionalizadas, que regem o comportamento humano. Os sinais vermelho alternam-se, ora parando os carros ora parando os pedestres, dando um movimento ritmado ao fluxo da cidade, e instaurando um prévio acordo entre estas duas instâncias funcionalizadas (motoristas e pedestres)

No trabalho de Ducha as laranjas (superfícies-objetos) caem e rolam pela faixa de pedestre nesse intervalo dos sinais, causando reações diversas (alguns pegam as laranjas para si, outros pegam e devolvem ao artista, outros tropeçam, desviam, xingam, riem, se assustam, gritam, param, etc)
Não se trata aqui de interatividade como artifício, prática já tão explorada por diversos campos das artes, e sim de considerá-la como ponto de partida e de chegada da obra, a ação investe na relação já tão mecanizada entre quem dirige o automóvel e quem caminha, a medida que constrói o inesperado como um espaço de vivência comum.
Laranja constituí-se, justamente, no espaço relacional aberto pelo artista, porém preenchido pela convivência, pelo jogo inter-humano do encontro inesperado construído, fazendo aparecer novas possibilidades de troca além das vigentes no sistema urbano.

Ainda sobre a experiência da reconstituição de Laranja, não posso deixar de dizer sobre o registro da obra, pois além de ser estritamente ligada a discussão sobre performance, em minhas prévias conversas com o artista sobre o trabalho ele me apontou a premissa sobre o registro – a câmera deveria ser posicionada em cima de um prédio, lugar onde ninguém pudesse perceber sua presença e assim não correr o risco de macular a esfera relacional ambicionada, como havia sido feito originalmente. E assim foi feito também nessa reconstituição.
Além do cuidado com a invisibilidade da câmera, a posição em distância (19o andar de um prédio da ESQUINA) num ângulo de quase 90o graus transfere ao registro outros sentidos, a imagem afirma-se poeticamente, e no entanto tem potencia autônoma do trabalho ao vivo.

O ângulo de registro escolhido pelo artista, dá uma visão cartográfica do quadro, e sob a sinalização pintada de branco no asfalto preto se justapõe, repentinamente, bolas de cor laranja causando uma composição de primazia plástica clara.

Luiz Claudio da Costa trata a questão do registro na arte contemporânea com grande interesse e faz um farto levantamento dessas obras, posicionando-as no mercado da vídeo arte enquanto relaciona-as com as performances que lhe deram origem e seus autores.
“(...) a arte de performances e intervenções praticadas em espaços institucionais ou em outros ambientes do mundo pode ser exposta em suportes digitais, ou seja, possui força e autonomia suficientes, uma vez que comporta sentidos, naturezas, interesses e formalizações diversos daqueles evidenciados pelo trabalho exibido ao vivo.” Luiz Claudio da Costa. Dispositivo de Registro na Arte Contemporânea


No registro o artista ganha um maior domínio sob a forma, coisa que não se tem domínio por inteiro no campo da esfera relacional. O registro dá a performance um caráter de objeto, cujo autor dá a forma que lhe convir, podendo fazer do registro então uma nova obra, desdobrando-o em novos sentidos.
Após a realização da performance, vendo a imagem de registro, foi ainda possível aproximar o trabalho Laranja da técnica dos Viewpoints, de improvisação performática para o teatro, criado pela diretora americana Anne Bogard, onde se faz uso das relações de contorno ou contorno de corpos no espaço, a forma do corpo, por si só, em relação a outros órgãos, ou em relação à arquitetura, linhas, curvas, ângulos, arcos, todos parados ou em movimento, e ainda das relações de tempo e duração. Tal percepção afirma a posição do artista enquanto gerador de relações interativas, porém sob a ação de outros corpos, formas e ritmos.

E foi assim, sob ação de outros corpos que me senti durante os segundos de travessia da Av. Rio Branco, antes e depois do escoamentos das laranjas, além de haver também um inegável interesse em perceber nos outros a circunstancia dada.
É verdade que me adiantei na travessia em relação ao original Laranja (a travessia original se deu quase no momento que o sinal do pedestre se fecha, enquanto ele pisca o vermelho), porém e talvez por isso, saí de um lado da rua com um saco de papel com 80 laranjas (foi o que consegui carregar) e cheguei ao outro lado da rua com um saco de plástico com quase 70 (um pedestre esvaziou rapidamente sua grande sacola plástica e me deu, me ajudando a resgatar as laranjas) várias pessoas se abaixaram para apanhar as laranjas que ainda estavam em movimento, enquanto alguns motoristas riam incrédulos sob gritos e piadas circunstancias, quando pus os pés na calçada oposta fui avisada de outras laranjas que colocaram num canteiro para mim e, o Ducha que me disse assim : “Foi completamente diferente, que dá outra vez”