domingo, 26 de junho de 2011

Re-enactment: [The Lovers – The Great Wall Walk] Marina Abramovic e Ulay

A performance:

Esta performance foi realizada por Marina Abramovic e seu parceiro Ulay. Decididos a terminar o relacionamento, resolveram faze-lo de uma maneira incomum. Por caminhos diferentes e complementares, a dupla percorreu a pé toda a extensão da Muralha da China. Marina Abramovic partiu do extremo leste da Muralha, em direção ao oeste, e Ulay saiu do extremo oeste, rumo ao leste, ambos em 30 de março de 1988. A performance terminou em junho, depois de os artistas se encontrarem na província de Shaanxi, ao se despedirem.

A escolha:

A performance a ser escolhida deveria estar relacionada ao tema “mobilidade na performance”, além de estar conectado a uma questão pessoal. Assim como os situacionistas buscaram relacionar a arte com a vida cotidiana, a relação entre arte e vida, entre a psicogeografia e o funcionalismo moderno, eu deveria buscar em alguma performance já realizada, alguma intercessão com minhas idéias, emoções, filosofias, crenças e descrenças, vida real, virtual e sonhos.

A decisão do meu re-enactment partiu de uma necessidade de pensamentos acerca de relacionamentos. Me encontro num momento de transição muito importante, e como toda grande mudança, merece atenção e reflexão. Para mim essa performance seria um dispositivo de autotransformação, como a citada por Lehmann:

“(..) a ação do artista (performer) está menos voltada ao propósito de transformar uma realidade que se encontra fora dele e transmiti-la com base em uma elaboração estética, aspirando antes a uma ‘autotransformação’. O artista performático organiza e realiza ações que afetam o próprio corpo. (...) Pode ser que ele rejeite a idéia de ser o outro de um personagem e represente a si mesmo.”

Quando Marina e Ulay decidiram terminar o relacionamento e realizaram essa performance, a intenção era de após o momento do encontro eles seguissem, cada um por seu caminho. Essa

cisão significou uma transformação na vida e na carreira dela:

No início do meu trabalho, eu estava explorando muito mais a energia masculina do que a feminina, até me juntar ao Ulay. (...) Quando nos separamos, na Muralha da China [The Lovers - The Great Wall Walk, 1988], eu efetivamente me tornei feminina. No começo do meu trabalho, ser feminina era como uma fraqueza, pois você tem sempre que ser forte e masculina, também na aparência. (...) Depois da Muralha da China (...) eu precisava mostrar toda a minha fraqueza (...)”

Ao contrário de Marina, tomei a decisão de me separar do meu companheiro apenas espacialmente, mantendo os laços amorosos, mas o objetivo principal não é seguir um caminho alienado ao dele, não foi uma decisão fundamentada no meu próprio ego, ao contrário disso, o principal objetivo é manter a existência de um “nós”. Para isso decidi

abrir mão do companheirismo, da rotina a qual nós já estávamos presos (e que fique claro que a rotina pode ser uma coisa boa), ao conforto de ter um colo, à proteção de tudo que pudesse nos atingir etc. Está sendo de fato muito difícil continuar com meus planos, ainda mais sabendo que ele não acredita que vá dar certo, tanto quanto eu.

Para que pudéssemos refletir juntos sobre todas essas questões que perpassam nossas vidas, decidi propor a ele que participasse dessa performance. A tarefa não foi fácil, ele não é íntimo dos conceitos da performance, sempre teve um certo preconceito a esse estranho mundo da arte contemporânea. Porém quando eu certifiquei que ele não teria que aparecer, nem falar com estranhos, nem fazer nada esquisito na rua, ele aceitou.

Este translato se divide em duas partes: “O q

ue deveria ter acontecido” e “O que aconteceu”.

1-O que deveria ter acontecido:






Após nos encontrarmos no lugar em que nos vimos pela primeira vez, deveríamos relembrar todas as coisas maravilhosas pelas quais passamos juntos, deveríamos sorrir e chorar juntos, nos abraçar, nos beijar... e depois cada um voltaria para sua casa com a certeza de que mesmo com a separação espacial, continuaríamos nos amando e tentando ficar juntos.

2- O que aconteceu:

O inicio transcorreu como o imaginado. Saímos, cada um da casa dos respectivos pais, eu parti de Macaé e ele de Unamar (distrito de Cabo Frio), com destino a Rio das Ostras. Remontando mais ou menos o que aconteceu em janeiro de 2007, quando nos conhecemos.

Como eu havia combinado, nenhum registro deveria ter a imagem nem a voz dele. Para solucionar propus que filmássemos os caminhos por onde passássemos, eu optei por filmar a paisagem e a estrada, ele optou por filmar o céu.

O único dispositivo de registro que ele tem é um celular que pode filmar por cerca de 1 minuto, o detalhe que não foi lembrado é que o cabo para retirar os dados do celular não funciona mais. As coisas começaram a desandar.

No dia combinado, sexta-feira, meus pais decidiram que iriam comigo para Rio das Ostras, como o caminho é longo e o transporte é escasso, resolvi pegar uma carona no fusquinha deles. Chegando lá me convenceram a assistir um show do Festival de Jazz&Blues e marcar a ação com o Thiago para noite. A idéia me pareceu bem plausível, já que talvez nunca mais tivesse a chance de ver aquela magnífica banda numa apresentação gratuita.

A noite fui para o local marcado, decidi ir a pé, pois achava importante uma preparação, fiz uma caminhada meditativa até o local. Meus pais marcaram de ir embora as dez, a essa hora não existe outra maneira de voltar para a nossa casa, então não poderia desencontra-los.

No outro lado, o Thiago saía de casa tranquilo, sem nem imaginar o que viria dali a alguns minutos. A distrito que fica entre Unamar e Rio das Ostras (Barra de São João) estava em festa, no dia de São João, padroeiro da cidade. Lá qualquer festa causa um enorme engarrafamento, principalmente por causa de uma ponte estreita que é o único jeito de atravessar o rio. O percurso dele que era para durar 40 minutos acabou se estendendo por 3 horas.

Antes dele chegar em Rio das Ostras, eu tive que ir embora, liguei e pedi pra que ele fosse ao meu encontro, por sorte ele conseguiu chegar a tempo de pegar o ultimo ônibus, depois de tantos imprevistos, pelo menos uma coisa deu certo.

Chegando à casa dos meus pais , tivemos a conversa que deveríamos ter tido lá. Relembramos todas as coisas maravilhosas pelas quais passamos juntos, sorrimos e choramos juntos, nos abraçamos, nos beijamos... agora voltaremos para a nossa casa no Rio de Janeiro com muitas incertezas, com muitas dificuldades porvir, porém conscientes do amor recíproco e da vontade de ficarmos juntos.

A conclusão:

Segundo Lehmann a arte performática lida não com uma representação, mas uma experiência do real (tempo, espaço, corpo) que visa ser imediata. É uma arte efêmera, que está ligada com o agora, com o acaso. Na tentativa da minha performance, nada ocorreu como o esperado, mas frente aos imprevistos segui na tentativa de concluí-la.

Eu não quis em nenhum momento forçar os acontecimentos em nome de um roteiro pré-existente, vivi o momento e dele retirei reflexões que agora pus neste texto.

“O acaso é o grande senhor de todas as coisas. A necessidade só vem depois. Não tem a mesma pureza.” (Luis Buñuel)

2 comentários:

  1. Experiência de re-enactment interessante. A reflexao costura bem o texto de Lehmann com os acontecimentos - felizmente imprevisiveis...

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  2. otimo artigo, adorei o tema. por favor, continue escrevendo. http://www.patriciacarmo.com/

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