terça-feira, 21 de junho de 2011

Catita [performance individual]

“Sem dúvida eu estava tentando provocar com essas figuras”

“...o que eu sou contra é como nossa cabeça ferra a gente com o que a gente devia ser, em vez de pensar no que a gente é.”

“ Eu via algo realmente interessante naquilo que os outros chamam de feio. Além do mais, vejo graça no grotesco.”

“Meu modo de trabalhar é não saber o que estou tentando dizer até ficar quase pronto.”

“Estou num ponto em que, quando quero usar a mim mesma, eu uso e, quando não quero, não uso.”

“ Conforme o tempo passa e eu envelheço, vai ser interessante ver como incorporo isso ao trabalho.”





As falas acima são da artista Cindy Sherman. Quando, enfim, decidi o que seria a minha performance, me deparei com essa mulher. E, de imediato, a identificação se fez muito presente. Posso apontar essa identificação em três características: a inquietação com o feminino e a beleza, a maneira de se pensar e de se comportar quanto a isso e em sociedade, e a comunicação através de imagens (eu sou péssima para escrever). Ao mesmo tempo que Cindy serviu como forte embasamento para o meu trabalho, sinto que, de certa forma, fui livre para executá-lo à minha maneira. Em geral, Cindy apenas fotografa suas questões- no início de sua carreira, ela ainda se produzia e ia trabalhar cada dia de uma maneira, mas depois abandonou isso (“Lá, ela também ia trabalhar de vez em quando caracterizada como outra pessoa- uma enfermeira de uniforme branco, uma secretária dos anos 1950-e, todo mundo achava aquilo estranho e engraçado; mas ela parou porque, como disse, ficou com medo de perder sua ‘identidade pública’, ‘coisa realmente necessária em Nova York’”).





Escolhi me caracterizar de maneira atípica a como me visto no meu dia-a-dia e ir para uma boate. Procurei criar um personagem que pudesse ser o mais real possível para que qualquer reação de terceiros fosse de fato pelo que eu era naquele momento, e não pelo que eu tentava mostrar/dizer. Fui acompanhada de duas amigas vestidas normalmente, para que ficasse bem claro que de fato eu era e me vestia daquela maneira. Eu já esperava grande parte das reações: funcionários tentando fingir naturalidade ao me ver; as mulheres me olhando de maneira desprezível, seja porque eu estava fora dos padrões de moda e beleza delas, seja por estar parecendo extremamente vulgar e sexual (o sensual se perdeu aqui); os homens olhando e pensando nas maravilhas que eu seria capaz de fazer na cama. Eu pensei que atingiria mais as mulheres, que o maior incômodo seria delas, mas, quando elas não me olhavam com esse olhar recriminador, apenas riam e me apontavam para os amigos. Já os homens me surpreenderam (e também me decepcionaram). O que me chamou a atenção não foi o fato de eu fazer sucesso com eles, mas o fato de eu ter atraído todos os tipos masculinos daquele lugar: homens comuns, homens lindos que parecem esculpidos, homens novos, velhos, bêbados, sóbrios, gringos... Foi interessante também perceber que mesmo eu não estando confiante, não me sentindo bonita daquela forma, isso não fez diferença. O que importava era o que eu parecia. Ainda assim, outro fato curioso foi o de dois homens, aparentemente da mesma idade que eu, que ficaram extremamente incomodados comigo. Se eu estivesse perto deles ou em seu campo de visão, eles mudavam radicalmente: paravam de dançar, ficavam mais sérios. Um às vezes esboçava um sorriso nervoso e o outro ficava seriamente irritado. Aos poucos arranjavam uma maneira de sair de perto disfarçando o motivo disso.





De início, pensei em criar um comportamento para aquele personagem, mas percebi que teria de fazer coisas que eu não faço na minha vida e talvez criaria um conflito com isso. E, assim, sem perceber, me comportei mais uma vez como Cindy se comportava quando ela ainda se caracterizava para ir a alguns lugares, mas não agia diferente por causa disso (“De vez em quando, nas festas ou inaugurações das mostras, ela aparecia vestida de algum personagem- como Lucille Ball, numa ocasião que se tornou memorável, ou uma dona de casa grávida, toda arrumada com uma daquelas roupas desajeitadas que ela vivia catando nas lojas de miudezas da cidade. Não encenava o personagem assumido nem procurava chamar a atenção para si: era a mesma Cindy quieta, porém brincando de se embonecar").





O trabalho de Cindy instiga porque nos chama a ver de frente mesmo a mulher, o feminino, o ser humano que existe ali. Ela nos faz perceber que ainda nos guiamos e nos relacionamos pelas máscaras sociais que nos são impostas e que nós mesmos criamos e, assim,- “o que se entende de sua obra (...) é que a artista faz, por meio dela, uma denúncia dos lugares estereotipados destinados à mulher em nossa sociedade. (...) o desvelamento progressivo das muitas máscaras da mulher, que culminam na aproximação com o vazio entendido como castração. Ou seja, os lugares destinados e desconstruídos, levariam a que se descobrisse a verdade última e o lugar essencialmente feminino ao se revelar, quando todas as máscaras caem, a mulher enquanto castrada.”- propõe com suas imagens, que sejamos capazes de perceber o que, de fato, é a mulher, o humano ali.

Ao sair da boate, o que ficou na minha cabeça é que, apesar do ego massageado pelos homens- afinal, quem não gosta de se sentir desejado pelo outro?-, eu preferiria mil vezes passar despercebida- como geralmente passo- por ali. O que chamou a atenção das pessoas- por mais chocante e desprezível que parecesse em certos momentos- não foi de fato o que nós somos, mas o que tentamos ser por algum motivo- em sua maioria, ser aceito, ter a sensação de pertencimento. E a sugestão de Cindy com seu trabalho, de que essa aceitação é possível por simplesmente sermos quem somos, não só me fascina como me parece, quase sempre, meu objetivo de vida.

REFERÊNCIAS:

TOMKINS, Calvin. As Vidas dos Artistas (Cindy Sherman). BEI Editora, São Paulo, 2009

RIBEIRO, Alessandra Monachesi. O Grotesco, o estranho e a feminilidade na obra de Cindy Sherman. IDE Psicanálise e Cultura, São Paulo, 2008

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