quinta-feira, 16 de junho de 2011

Poema andante - re-enactment de Walking Poem Rio











Fiz o re-enactment de Walking Poem Rio, realizado pelo grupo dinamarquês Hello!Earth. O grupo é formado por Vera Maeder e Jacob Langaa Sennek, com colaboradores em diversas partes do mundo. Este questiona a tomada de consciência e a exploração do mito da realidade através de uma abordagem transdisciplinar, aprofundando conceitos de diversas áreas de conhecimento e reinventando as relações dos envolvidos entre eles, consigo mesmos e com o mundo. A performance escolhida para ser refeita foi realizada no centro da cidade do Rio de Janeiro em 2008, resultado de um workshop dado pelo grupo no Festival Panorama de Dança desse ano, era a segunda vez que vinham a convite deste a cidade. Participei como “espectadora” e meu olhar sobre os lugares passados durante a performance mudou, o tempo vivido era outro, a vida cotidiana havia parado e eu estava em outra realidade, quase um sonho, onde eu reconhecia os lugares, mas as relações eram outras. Desde então surgiu a vontade de proporcionar algo parecido as pessoas, e como a ementa de A.T.A.T este período girava entorno de mobilidade, surgiu então o esperado momento de trabalhar com a performance em questão.
Na performance original o local escolhido foi a Praça Tiradentes e seu entorno, lugar no qual tenho uma convivência muito intensa, mas desconhecia alguns trechos. Escolhi então fazer minha versão na Urca, pois o “publico alvo” era os alunos na Unirio, e esse é um lugar do qual todos temos uma forte convivência, quase que diária, com parte do Bairro, a Av. Pasteur e a Praia Vermelha, mas desconhecemos muitas outras. Me interessava o conhecimento e/ou reconhecimento desse lugar através do afeto, experimentar se deixar afetar por esse lugar. Nesse sentido essa performance era também uma grande meditação andando, pois o principal objetivo era fazer com que as pessoas esquecessem um pouco a correria do seu dia-a-dia e caminhassem presentes, do lugar por onde passavam e consigo mesmos, reparar o quão bonito é o lugar por onde passamos na maioria das vezes apressados, respirar e ver o que está a nosso redor.
Em Walking Poem Rio existiam dez performers espalhados pelo caminho, indicando, dando pistas, acionando mecanismos que faziam com que a pessoa seguisse para a próxima “parada”. Em Poema andante só havia eu e meu namorado, Eduardo Bastos, o que dificultou, pois tínhamos que escolher momentos chaves para entrarmos em ação. Pensando a definição dada pela dupla sobre o que faziam nesta performance, o invisible reality show, encontrei semelhanças gigantescas com os mapas situacionistas, experimentados em “sala de aula”. No blog brasileiro do Hello!Earth (http://www.helloearthbrazil.blogspot.com//) há a seguinte definição: é um conceito para desenvolver performances especificas para determinados lugares, em que um circuito é desenhado na cidade pesquisada para que o público, individualmente, passe por uma experiência perceptiva, através da criação de situações e estímulos que alterem sua percepção daquele determinado local. Um trajeto único, que dialogue com a vizinhança em que estão estabelecidos e que busca questionar o que e é realidade e como esta é criada. Com isso, a própria experiência da audiência torna-se a performance, pois seu olhar não é dirigido a nenhuma conclusão especifica. Optei então por criar um mapa situacionista até o momento em que fosse necessário a presença humana para a sequencia da performance. O mapa atentava para três espaços: a rosa dos ventos, a cabine da policia e sua visão para o Cristo Redentor, e a igreja. E nesses eram estimulados o pensamento a respeito, respectivamente, ao rumo de sua vida, a sensação de segurança, e sua relação com as coisas de Deus e do homem.











Ao sair da igreja se dava a transição para a segunda parte da performance, já sem o mapa – é interessante observar que a percepção da divisão da performance em dois “atos” só se deu quando esta já havia sido dada por encerrada, e que a performance original também havia uma separação em dois atos, com e sem a condução de um I-pod. O participante não sabia mais o que aconteceria, pois o mapa só avisava que seria chamado por alguém para a próxima parada. Dava-se então o encontro comigo e começava uma experiência mais sensorial com o espaço.
Nós andávamos de mãos dadas até o Deck, lá entregava um copo d’agua ao participante, que a bebia olhando pro mar.Depois pedia que fechasse os olhos e envolto pelo som da praia era levado por Eduardo calmamente até uma canga posta na areia da praia, ele o sentava e o deitava naquele lugar.
































Ao abrir os olhos o participante via em sua mão um saquinho contendo uma bala e um recado:

Sugiro que a vida siga de forma leve e doce,
Experimente começar agora: adoce seu caminho de volta.

O espaço foi estudado milimetricamente para que se chegasse a esse resultado, no qual não só a estrutura da performance inicial estivesse presente, mas algumas ações que encaro como importantes fossem reproduzidas, na medida do possível, nessa versão.
Através de e-mails, telefonemas e mensagens de texto foram agendados oito pessoas para realizar a performance no período entre 14hs e 18hs da segunda-feira, dia 6 de junho.

Embora venha me dedicando ao estudo da performance há algum tempo, me vi na expectativa de querer que a coisa não saísse do meu controle, que os participantes começassem na hora exata, passassem por todas as etapas e finalizassem a performance no local especificado; caso contrario a performance não havia seria realizada com êxito. Uma visão muito teatral de que é preciso ter começo, meio e fim e ser exato e alcançar um objetivo. Pensando deste modo quebrei a cara, algumas pessoas não chegaram nem a pegar o mapa na xerox da Unirio, por terem sido comedidos de problemas cotidianos, outros me deram bolo, a quem se perdeu no caminho, quem terminou só a primeira parte e apenas uma que chegou ao final. Com esta ultima deu tudo “certo” e foi uma experiência incrível, mas isso não quer dizer que com as outras deu errado. Conversei com as pessoas que não chegaram até o final e elas demonstraram prazer na experiência realizada. Elas doaram parte do seu tempo, tão valioso nos dias atuais, e principalmente no final do semestre, para experimentarem o que foi proposto, não ter chegado ao final é o de menos. Nas experiências coletivas realizadas pela turma, percebemos como a sensação de falta de tempo é um grande problema na contemporaneidade, e meu re-enactment lidou diretamente com o tempo, seja no encontro de pessoas que pudessem doar quatro horas do seu dia pra me ajudar na produção da performance; a doação de 30 a 45 minutos das pessoas para participar, parando seus afazeres pra isso; o tempo frenético das pessoas que iam participar, mas que não conseguiram parar; o tempo de esperar as pessoas chegarem à igreja; o tempo de vivencia de cada um, que não necessariamente foi o tempo de realização da performance...
A performance se deu também para os moradores, pessoas que ia pegar o ônibus, turistas, vendedores que me viam me movimentando pela praia, levando alguém para a areia e voltando, ou que viram pessoas circulando com papeis e envelopes pela murada da Urca e entrando na igreja.
Ao final percebi que não era necessário chegar ate o final para participar efetivamente da performance, todos que de alguma forma entraram em contato com o re-enactment participaram dele. A performance não é algo fechado, controlado, como na maioria das vezes é o teatro; por mais que eu tenha estudado o roteiro e planejado para que tudo acontecesse perfeitamente, a performance não pode ser ensaiada, ela acontece no presente, e quando começa não pode ser controlada, o rumo e a reverberação que ela toma já não está mais sobre meu alcance.

Um comentário:

  1. Excelente trabalho de criaçao e reflexao conjuntas na prática e na teoria...

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