segunda-feira, 14 de junho de 2010

Pássaros e Gente ou Água e Gente de Paulo Nazareth





























Re-enactment de “Pássaros e Gente” de Paulo Nazareth.

A idéia de “refazer” Pássaros e Gente me motivou a partir dessa entrevista de Paulo Nazareth em um festival de performance em Belo Horizonte :

       “ Quantas vezes já usei a palavra, “ acho, penso , acredito” ? Agora vou usar creio, bem acho que deve fazer parte da entrevista! Então creio que o corpo está presente o tempo todo em qualquer trabalho, se faço um desenho, gravura, escultura, etc , o corpo está ali , não tenho como me desvencilhar dele, eu sou corpo e ele é minha primeira ferramenta de trabalho, uso os olhos para apreender uma imagem reelaboro-a e uso as mão para recriá-la com auxilio de um ‘contenedor’ de tinta, um lápis ou caneta. O que talvez diferencie a “performance” é que no ato da exposição o corpo está ali presente , diferente de outra forma de arte visual em que podemos nos desligar do corpo (ao) vivo. Gosto de estar inserido dentro da “obra” por que nesse momento ela é viva e eu gosto de estar vivo. Não sei como essas coisas de silencio e grito se relacionam exatamente , mas talvez um faça parte do outro, o silêncio pode ser tão estrondoso quanto um grito e em meio a um grito pode haver o silêncio. Será que isso parece qualquer a ver com “o Mestre dos Magos” da “Caverna do Dragão” ? Ou Paulo Coelho ? Outro dia um amigo me lembrou que sempre tínhamos uma lição de moral ao final dos episódios de He-Man .”

Diante das inúmeras possibilidades de “refazer” uma performance, não vi nada que realmente me motivasse nem pela forma, pelo contexto, pela estrutura, intenção, ou pelo seu objetivo. Algum tempo depois tive contato com essa entrevista anexada ao vídeo da performance “Passáros e Gente” de Paulo Nazareth.
Paulo Nazareth um dos nomes contemporâneos da performance brasileira, nascido em Belo Horizonte, Minas Gerais, começou seu trabalho com “ Paulo Nazareth Arte Contemporânea e Edições Limitadas”, uma espécie de empresa/entidade que está por trás de suas obras. Um dos traços principais de sua obra é o fato dele, como artista, apontar sempre para a afirmação de que a Arte está em todos os lugares e coisas e pode ser feita por qualquer pessoa. Inclusive em alguns trabalhos o espectador é a própria obra, o que nos amplia ainda a idéia de participação.
A busca pela vida do artista foi extremamente difícil, pois apesar de muitos registros de suas performances, existe pouco material de sua história, como era inicialmente etc.
Tive contato então com o vídeo “Pássaros e Gente”, uma performance feita em Belo Horizonte onde o artista anda pela rua com uma gaiola na cabeça com um pássaro vivo dentro. Em “Pássaros e Gente”, Paulo tinha o objetivo de criar um espaço de relação anticonvencional, questionando a liberdade no espaço urbano.
A partir do objetivo do artista, optei por “refazer” a performance de Paulo, “resignificando” a forma e a questão, e mantendo o objetivo do mesmo.


RE-ENACMENT:
         “As coisas nem sempre ocorrem como planejamos e acho maravilhoso que por mais que queiramos não temos o controle dos acontecimentos, talvez eu me alimente dessas coisas , desses fracassos diários … fracassos enquanto tentativas de controlar o cotidiano … sei lá acho que todo dia é diferente mesmo parecendo igual …”   (Entrevista de Paulo Nazareth  para Brígida Campbell)


É a partir dessa fala que pretendo discorrer sobre meu “Sucesso fracassado” ao (não) realizar a performance “Pássaros e Gente”.
Com a proposta de “resignificar” a forma, troquei a gaiola por um aquário, e o pássaro por um peixe, e fui andar dentro de um shopping da zona sul. Eu questionava não mas a “liberdade no espaço urbano” ( como o questionamento de Paulo) mais sim um modo de subverter as relações tradicionais que ali eram estabelecidas, dentro daquela “caixa”, daquele “bloco” de pessoas formais que existe dentro de um shopping. Mas ainda mantendo o objetivo do autor da performance de criar um espaço de relação anticonvencional.
Bom, ao chegar no shoping com o peixe na mão, carinhosamente batizada de Tânia Alice, fui até o banheiro com uma amiga e já fomos enxotadas por uma mulher que trabalhava no shopping com a seguinte frase: -Se vocês querem trocar a água do peixe tem que ser lá em baixo, no subsolo, aqui não pode!
Fomos então as três para o subsolo do shoping. O lugar era onde se descarregava o lixo do shopping, onde as faxineiras almoçavam e lavavam roupa. O lugar era cinza e todo de concreto, e tinha xorume por todo o chão.
Ao chegarmos no subsolo começamos finalmente o processo (longo) de encubar a minha cabeça. Logo quando começamos, uma mulher parou o que estava fazendo e ficou observando, sumiu logo em seguida e voltou o segurança: - A moça falou que você tá matando a menina! Ela vai ficar aí dentro?
Minha amiga respondeu: - Vai sim, eu não tô matando ela não. Você pode tirar uma foto?
-Posso sim! ( respondeu o segurança)
O segurança bateu a foto a saiu, nos deixando sozinhas, e em menos de três minutos depois apareceu um trabalhador que tava varrendo o chão pra ver, depois outro homem, depois duas mulheres, depois uma senhora, outro homem, outra mulher...aproximadamente vinte pessoas pararam o seu trabalho para ver o que seria aquilo. Um bloco de pessoas estava formado na minha frente todos me observando e falando entre si. Uma única voz que nos foi dirigida em quase trinta minutos de preparação para a performance foi: - Esse peixe vai entrar aí, no rosto dela? Balancei a cabeça indicando que sim. Então, após esse longo processo, chegou a hora de colocar a água no aquário ( as vinte pessoas ainda estavam ali, vidradas no que acontecia), abaixei meu corpo e minha amiga foi colocando a água que foi escorrendo pelo meu pescoço e me molhou inteira. Imediatamente três pessoas correram até mim, pegaram a fita da mão de minha amiga e começaram a colar em volta do meu pescoço para a água não escorrer. Quero deixar claro que as pessoas não sabiam o que eu iria fazer com aquilo, elas simplesmente se lançaram a frente do meu corpo e prenderam fortemente meu pescoço para a água não escorrer. Um homem diz: - Tem que colocar um isopor para não vazar água, o isopor vai vedar direito. O outro homem diz: -Eu vou ali do outro lado buscar, espera um minutinho. Uma mulher : -Tá tudo bem aí dentro? Fica bem, vai dar tudo certo.
E foi essa frase que me emudeceu durante o resto do trabalho e do dia. Aquelas pessoas  se compadeciam comigo! Aquelas pessoas se reconheceram no meu fracasso!
Eu diante de toda essa ação que estava ocorrendo, estava muito chateada com o fracasso da minha primeira performance, eu não tinha me dado conta que todo o espaço estava a meu favor, toda a intervenção, todo o questionamento, estava tudo alí. Toda a atmosfera que eu buscava no meu programado ato de sair pelo shopping com um aquário na cabeça já estava criada.  O olhar das pessoas estavam voltados para mim, o olhar de quem se compadecer com a derrota do outro. O espaço anti-convencional ( objetivo de Paulo em “ Pássaros e Gente”) foi criado. O meu questionamento de subverter as relações tradicionais estava criado sem que eu percebesse ou esperasse. Foi uma das experiências mais incríveis da minha vida! Eu tive uma aula de relação humana!
 Enfim, esperando o homem vir com o isopor para me dar e a faca, tive toda essa fusão de
 pensamentos e achei dispensável sair andando pelo shopping. Mais ainda tentamos, eu, minha amiga e as três pessoas, vedar o aquário de alguma forma. Ainda assim, “fracassamos”.
Talvez todo meu objetivo, meu  questionamento, minha motivação, minha intenção, acho que tudo isso só foi atingido porque eu falhei, ou não também. O que eu tenho certeza é que a experiência em que eu vivi naquele ambiente, o olhar daquelas pessoas, isso sim, isso nunca seria atingido em espaço formal de um shopping. Talvez, se eu “fracassasse” na praça de alimentação, se meu aquário caísse no meio do piso, uma mulher - a mesma que estava no subsolo comigo, que perguntou se estava tudo bem, talvez ela me olhasse, talvez me reprovasse, talvez somente limpasse o chão, e eu nada atingiria naquela vida cotidiana.


Bibliografia:

-O Teatro em Diálogo com outras linguagens-
Novos Sentidos de Novo.
Ana Kfouri
-O Teatro Pós Dramático-
 Hans-Thies Lehmann
-Mobilidade no Contemporâneo. Os espaços da performance-
Lucio José de Sá Leitão Agra
-www.ceia.art.br-
-www.artecontemporanealtda.blogspot.br-

2 comentários:

  1. Interessante como a performance nos leva a repensar os conceitos de "sucesso" e "fracasso", modalidades do discurso que nos atravessam sem que a gente esteja propriamente consciente do fato de estar internalizando estes "valores". A própria arte acababa se dobrando aos imperativos do "dar certo", "funcionar", e talvez o fato de desestabilizar justamente este fluxo pode ser interessante... Em termos de forma, só falta acertar as referências bibliográficas de forma a integrar autor, editora, ano de publicaçao e também data de último acesso aos sites. Exemplo:
    ARDENNE, Paul. Un art contextuel - Création artistique en milieu urbain, en situation d´intervention, de participation. Paris: Flammarion, 2004.

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  2. Adorei como o iminente fracasso se tornou o verdadeiro sucesso.

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