segunda-feira, 14 de junho de 2010

From the Underdog File - por Lorrana Mousinho












Experienciando From the Underdog File

O feminismo, corrente ideológica que luta especificamente pelos direitos das mulheres, a partir de 1968, viu suas questões e inquietações novamente colocadas em discussão.

Mulheres reunidas em grupos, inspiradas pelas revoluções protagonizadas por estudantes, começaram a trabalhar na reconstrução de sua imagem e condição.

Waltraud Lehner, como originalmente se chama VALIE EXPORT, construiu em 1967 esse logotipo para substituir seu nome original. Pode ser traduzido como uma espécie de ticket de exportação, e contém em si, toda a capacidade de sintetizar uma das principais questões levantadas pela artista: A mulher como objeto de consumo(tanto da cultura superior quanto da doméstica).

Em parceria com Peter Weibel, como se pode verificar no livro performance nas artes visuais, de Regina Melim, desenvolveu o cinema expandido. Weibel mostra as condições ideológicas e tecnológicas da representação cinemática, investigando e criticando os mecanismos de tipos de mídia variados. Questionando a arte como objeto de consumo, e as estruturas de poder, que regem sem serem percebidas, nossos complexos de linguagem.

From the Underdog File, foi uma performance feita em 1968 pela dupla VALIE EXPORT e Peter Weibel. Nela, VALIE caminha pelas ruas de Viena levando numa coleira seu parceiro Weibel.

Pode-se verificar toda a questão da inversão de papéis entre homem e mulher. Esta, supostamente submissa, passa a adquirir outra postura, na qual também se torna capaz de subjugar o homem.

Portanto, para desenvolver meu re-enactment, preservei da performance original as relações de dominação estabelecidas, a utilização do espaço público na sua execução, e o símbolo da coleira. Na tentativa de passar esses elementos para um outro contexto, uma outra realidade, que não a do feminismo de 1968, mas sim a das relações entre figuras políticas e a população em 2010(o que inacreditavelmente não é exclusivo do ano de 2010, pois se esse mesmo re-enactment fosse feito a anos atrás essas relações continuariam praticamente as mesmas).

Eu, Lorrana Mousinho, com o auxílio de mais uma atriz Raphaela Tafuri, criamos uma fictícia figura política: Ivonete. Preparamos panfletos de divulgação, com foto, nome, número e pretensões políticas, criamos até jingle.

Presa pela coleira encontrava-se uma palhaça, representante da população como um todo, além de um questionamento sobre as condições as quais a classe artística é submetida.

Realizamos a performance em frente a câmara dos vereadores, na Cinelândia, no ônibus, durante todo o caminho para a UNIRIO, e finalmente em alguns segmentos da faculdade.

Por falta de meios para chegar na Cinelândia já utilizando roupas e maquiagem, tudo teve de ser feito no local. Então, decidimos assumir tal fato e nos sentamos no “Bar amarelinho”, com nossasroupas do dia a dia.

Todos no bar estavam concentrados na televisão, assistindo a um jogo do Brasil, mas aos poucos as atenções foram se desviando para nossa mesa, e para a minha roupa de palhaça, a cada elemento que colocava, sentia que mais pessoas olhavam e cochichavam, outras riam,outras fingiam que não estavam vendo, os garçons riam, um perguntou se era isso que nós fazíamos, se nos sentávamos nos lugares para nos transformar.

Depois de tudo pronto, no próprio local iniciamos a distribuição dos panfletos, e lentamente nos encaminhamos para a frente da câmara. O sol estava quente, e as pessoas passavam rápidas e agitadas, a grande maioria fingia que não estava vendo,uma vez que estávamos nos contrapondo a um fluxo pré-orquestrado, outras faziam questão de olhar torto como se estivéssemos fazendo algo muito errado. Ivonete pedia que a palhaça a anunciasse e em troca dava-lhe biscoitinhos, quando a palhaça cansava Ivonete a obrigava a se mover. Houve algumas brincadeiras maliciosas de homens que passavam por causa da posição em que me encontrava(quatro apoios), assim como momentos curiosos, um homem que recebeu o panfleto, de fato acreditou que Ivonete era uma candidata, e perguntou porque ela me tratava daquele jeito, e que ela tinha que mudar sua postura, que ele votaria nela, se essa prometesse mudar de conduta. Muitas pessoas olhavam para mim e diziam: “Essa aí ta representando o povo” , ou “Esse é o funcionário público”, ou ainda “Aí você, fulano” apontando uns para os outros; um homem tirou o chinelo para me bater, também apareceram crianças. Como Lehmann aponta, na performance oespectador deve mobilizar sua própria capacidade de reação e vivência a fim de realizar a participação no processo que lhe é oferecido. A sua tarefa não é mais a reconstrução mental.

No ônibus foi praticamente o mesmo, só na UNIRIO foi diferente, acho que pelo fato das pessoas estarem acostumadas com esse tipo de manifestação. Todos que paramos foram receptivos, pouquíssimos estavam com um ar meio desconfiado, mas ainda assim receptivos.

Acho que aqui é um bom momento para falar a respeito do espaço de performação proposto por Regina Melim. Quando terminou o dia estava um pouco perdida, uma vez que no palco, o espaçoque vai ser ocupado, e as relações que vão ser estabelecidas com a platéia são muito claras(na grande maioria das vezes) e definidas. Enquanto na performance, pelo que compreendi, qualquer lugar pode ser espaço de performação, desde que crie uma estrutura relacional, e todo tipo de relação social pode ser estabelecida, o que também é discutido por Bourriaud. Além do que, a performance,como foi citado em sala, é inclassificável, e gera coisas que você não controla, e nem pode controlar.

A partir da presença provocante do homem, como diz Lehmann, e da performance como provocadora dessa presença, procuramos questionar o descaso dos políticos brasileiros para com sua população, e sua classe artística, assim como os empreendimentos paliativos de resolução de problemas em detrimento de uma medida mais eficaz. Através de From the Underdog Filede VALIE EXPORT e Peter Weibel, fomos conduzidas para essa incrível experiência, e assim como Fábio Cypriano escreve sobre manter as performances vivas através não só de documentos, mas também por meio da própria reencenação, espero que de alguma forma tenhamos contribuído para isso.


Um comentário:

  1. Trabalho interessante que partiu da proposta inicial de Valie Export para procurar outras dimensoes de significaçao no cotidiano carioca de 2010. Interessante ver que quando você escreve "a palhaça representa a populaçao como um todo, bem como a classe artística", vc esta propondo sua leitura para a performance, que é uma leitura, mas que nao pode ser fechada em funçao de códigos teatrais pré-estabelecidos (como poderia ser o caso dentro de uma estrutura de representaçao). Interessante o quanto essa leitura também está presente na recepçao, mas nao somente. Cada transeunte projeta sua história, o que nos leva além da "obra aberta" conceituada por Umberto Eco. é a estética relacional. Por este motivo, a performance dialoga com aquilo que Paul Ardenne chama de "Arte Contextual" - dada em funçao de determinado contexto e circunstâncias...

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