Diego Baffi
Confesso que a idéia da “transcriação” de um acontecimento artístico em uma “recriação” no trabalho escrito me provocou, pelo motivo de nunca ter feito uma coisa assim ou só apenas tentado de forma confusa, sempre recebendo reclamações dos professores. Acho que falar sobre arte e como ela é comunicada é algo extremamente difícil, que realmente exige do pesquisador uma escrita afetada pelo objeto artístico, e não um distanciamento de análise. Por isso, sou bem otimista com a idéia do “artista pesquisador” para uma investigação mais profunda sobre o poder da arte e até mesmo para o que o artista transcenda ainda mais na comunicação.
No início das aulas de ATAT quando soube que o tema do semestre era a felicidade como performance, fiquei meio sem entusiasmo, pois sempre achei que certos conceitos convencionais de felicidade atrapalham na criação artística, pois não provocam a inquietação que faz com que almeje a liberdade e sim um comodismo que não traz a transformação. Mas, logo mudei de idéia quando percebi que a proposta da Tânia Alice era justamente refletir sobre isso.
Nesses parâmetros, para mim a felicidade é a liberdade de expressão e para atingir esta liberdade só dando cara a tapa mesmo. É preciso coragem para quebrar as convenções desta falsa felicidade anestésica, desta busca pela glória individual que só produz mais do mesmo no campo artístico. Por isso a performance para este trabalho é o que já faço a algum tempo, que é a intervenção artística nos ônibus para vender livretos de poesia, que pode ser vista como comércio informal de ônibus, o que não deixa de ser verdade por ser uma forma de ganhar dinheiro.
Esta é a capa do livreto:
A idéia surgiu pela influência de alguns integrantes da banda Na Sala do Sino, que estes, divulgam o trabalho da banda, tanto musical quanto de poesia, nos ônibus. Isso foi no semestre passado quando o tema de ATAT era nomadismo e a idéia da mobilidade da arte foi uma espécie de arquétipo, pois era evidente que o ônibus era a melhor forma de palco móvel para aquele momento, não é só pelo ônibus estar em movimento, mas também porque o palco vai até o espectador inesperadamente. Isso faz com que o passageiro-espectador seja provocado e mobilize sua própria capacidade de reação, mesmo que seja a de ter preconceito ou inquietação por estar incomodando seu espaço para pedir dinheiro, o que muitas vezes acontece. Muitos não olham, outros ficam sorrindo para a janela e olham disfarçadamente, os que olham, olham com verdade e eu devolvo o olhar, alguns interrompem para interagir e o aplauso é sempre inesperado.
Para fazer o primeiro ônibus do dia, a ação começa ao caminhar nas ruas, o corpo vai se preparando andando e meditando, como sugere Thich Hanh. E assim vai até o ponto, onde começa o sofrimento do conflito interno em busca do impulso que faz pedir ao motorista para mostrar o trabalho no ônibus. Dificilmente é no primeiro que consegue, mas isso não é ruim, pois ajuda a desconstruir a menina de família para entrar no espírito da malandragem. O charme ajuda. Alguns motoristas ficam confusos sem saber que trabalho é esse que quero mostrar. O mais engraçado foi o que disse que eu poderia fazer qualquer coisa, menos baixar o santo. É assim, quando o motorista diz que pode, o impulso me leva e entro já falando com todos. É mais ou menos assim:
- Tem alguém com tédio aí? Tem alguém apaixonado aí? Alguém com pressa? Alguém querendo fugir para qualquer lugar que não especule tanto assim oh imobiliária? Alguém quer uma passagem para a lua? E aí cara você cobra a dor?
Daí sim me apresento, digo que sou da Bahia e minha profissão é de cameloa, que vim pro Rio sem saber porquê, talvez pela poesia. Este é o momento do “mal secreto” do poeta Waly Salomão com o eu feminino:
-Não choro
Meu segredo é que sou uma moça esforçada
Fico parada, calada, quieta,
Não corro, não choro, não converso,
Massacro meu medo
Mascaro minha dor
Já sei sofrer
Não preciso de gente que me oriente
Se você me pergunta
Como vai?
Respondo sempre igual
Tudo legal
Mas quando você vai embora
Movo meu rosto no espelho
Minha alma chora
Vejo o Rio de Janeiro
Comovo, não salvo, não mudo
Meu sujo olho vermelho
Não fico calada, não fico parada, não fico quieta,
Corro, choro, converso
E tudo mais jogo num verso
Intitulado
Mal secreto.
Esta poesia é bem direta, é uma conversa com os passageiros. Um cara brincou uma vez dizendo que meu marido era um coitado, e ficou tudo muito descontraído. Sempre quando uma pessoa interage, desencadeia uma comoção maior, assim é quando há aplausos, geralmente é uma pessoa que começa.
O modelo da apresentação segue com poesia e capela, mas é sempre diferente a cada ônibus. Penso que exista algum misticismo, de que os ônibus são escolhidos por algum acaso especial. Como no ônibus que peguei para ir para aula de ATAT, que foi no primeiro que pedi. Neste ônibus tinha uma senhora da Paraíba bem animada, quando comecei a cantar “assum preto” de Luiz Gonzaga, ela ficou pedindo no meio da música para cantar forró, mas ela mesma puxou uma embolada e não parou de cantar! Levantou e disse para todos que ônibus é lugar de sorrir! Isso sim é felicidade.
Para apresentar o produto, que é o livreto de poesia, fiz uma paródia de uma canção de uma vendedora de tamborete do Recife que está fazendo sucesso na internet. Esse é o link: http://www.youtube.com/watch?v=cuKvV6ti_wM
O que canto é
- Óia o livreto oiá,
óia o poema paguem o que quiser oiá,
serve também para cantar, memorizar,
contar o bem usando o mal oiá
A canção funciona bem. Mas o que funciona melhor ainda é trabalhar para sobreviver mesmo. Quando estou com fome, o desempenho é melhor e qualquer salgado na rua tem o sabor especial. É uma questão de escolha de vida como identidade.
Mariá de Castro
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