Inspirado na obra de Iuri Firmeza, “Artista Invasor”, este reenactment faz críticas internas à própria instituição acadêmica, mas também tenta pensar o mercado da arte, as tensões entre ficção e realidade na arte contemporânea e a performance em contraposição à representação teatral.
Uma semana antes da palestra, foram espalhados trinta cartazes pela universidade anunciando a vinda do artista alemão ao Brasil. Com um capuz amarrado no rosto, Leandro Romano fingiu ser Theodor Klein: discursando em inglês (com o auxílio da aluna Lara Siqueira, como intérprete), o performer falou sobre máscaras sociais, arte e ilusão e "sociedade do espetáculo".
Para compreender a obra, vale ler a análise de Hans Thies-Lehmann sobre a arte performática: “É possível entender o teatro pós-dramático como uma tentativa de conceitualizar a arte no sentido de propor não uma representação, mas uma experiência do real (tempo, espaço, corpo) que visa ser imediata (…). A imediatidade de toda uma experiência compartilhada por artistas e público se encontra no centro da ‘arte performática’”.
Abaixo, o texto da palestra:
(A intérprete pergunta como vai Theodor) Estou com calor, esta cidade é muito quente. (Ri) Bem, eu me chamo Theodor Klein. Eu raramente mostro o meu rosto. E isso faz parte da minha investigação artística. Ervin Goffmann, um amigo meu, fala muito em máscara social. Todos nós temos uma. Eu tenho uma. Vocês também. A diferença é que a minha máscara é visível. Ela está aqui. Vocês podem vê-la. Quando meu rosto fica exposto, sinto que posso ser eu mesmo. Me expressar do meu jeito. Considero que meu rosto é a minha arte. Eu só mostro meu rosto em galerias de arte. Assim, realizo o processo que todo trabalho de performance realiza: torno visível o invisível. A máscara que vocês conseguem ver no meu rosto é a mesma que eu consigo ver no rosto de vocês. Sem ofensas. Esse é um movimento natural da contemporaneidade. As redes sociais evidenciam isso. Temos nossas páginas. Podemos montá-las da maneira que quisermos. Ou seja, podemos nos transformar naquilo que gostaríamos de ser. Eu não faço parte de nenhuma rede social. Imagino que a maioria de vocês tenha uma conta em algum site de relacionamentos. E é lá que vocês expõem o projeto daquilo que vocês gostariam de ser. O funcionamento da minha pesquisa é justamente o contrário disso. A máscara que eu mostro nada tem a oferecer. Mas quando eu tiro a máscara, você pode ver quem sou eu, de verdade. Se é que isso é possível. (Pausa) A primeira vez que expus meu rosto, em 1998, precisei fazer um longo trabalho de apagamento de identidade. Disse a todas as pessoas que conheço que eles não veriam mais o meu rosto, a não ser em galerias de arte ou espetáculos, onde eu poderia lidar com ele de maneira artística. Meus amigos não acreditaram em mim. Minha família achou engraçado. Acho que a única pessoa que deu atenção a isso foi minha esposa, que acompanhou todo o processo. Desde então não mostro meu rosto publicamente. Já são doze anos. Isso é uma grande conquista para mim. Fico muito feliz e muito orgulhoso de mim mesmo por ter feito da minha própria vida um espetáculo. Segundo Guy Debord, isso é o que acontece na sociedade inteira. Eu faço disso a minha arte. Ser artista não é uma profissão, é um estado de existência. Então, que seja assim para toda a vida. Artistas não param, artistas simplesmente são artistas. Depois de algum tempo, as pessoas começaram a aceitar e a gostar desta minha ideia. Mas ainda hoje ando nas ruas de máscara e me perguntam por que estou assim. Digo: “Eu sou artista.”. Eles entendem no exato momento. Porque o grande poder da arte é este: não ter que dar explicações a ninguém. Quando dizemos que algo é arte, quando julgamos uma obra assim, não precisamos explicar mais nada. E quem não entende, sabe, pelo menos, que não entende porque não tem sensibilidade estética. Tenho amigos que se afastaram de mim. Eles sabem que meu projeto é artístico. Eles só não têm sensibilidade. (Pausa) Está muito quente aqui. Como vocês conseguem suportar esse calor? (Bebe água. A intérprete fica um pouco constrangida) Me interessa como a ficção pode interferir na realidade, já que a realidade interfere na ficção a todo momento. A matéria prima da arte, é claro, é a realidade. A realidade é tudo o que possuímos. É dela que devemos extrair nossa força. A ficção invadiu minha vida de uma maneira irreversível. É claro que eu fiz isso acontecer. Mas isso acontece com todo mundo. A ficção invade a realidade de todos. Vocês estão sendo enganados a todo o momento. E vocês não percebem. Quando coloco minha máscara, é isso que eu estou querendo mostrar às pessoas. Quero que elas duvidem do que olham. (Pausa) Esta é a terceira vez que venho ao Brasil. Venho fazer um trabalho de observação. O povo brasileiro dificilmente duvida e está sempre sendo enganado. Deixando de lado essas teorias da conspiração, quero diz que nós, seres humanos, criamos ficção a todo o momento, naturalmente. Afinal, tudo o que está a nossa volta não existe. Nós inventamos essa realidade a que chamamos de realidade. A comunicação, os objetos, as emoções, as máscaras. É difícil viver numa realidade que não seja essa. Por isso, na minha arte, tento ser o mais natural possível. Não apenas o meu rosto fica livre junto à natureza, mas é todo o meu corpo. Quero dizer que precisamos nos voltar mais para a natureza. Isso é muito necessário. Vamos perceber isso nos próximos anos. O planeta está sofrendo. Está pedindo a nossa ajuda e nós ignoramos. Nós viveremos o aquecimento global. Quero dizer, nós já estamos vivendo. Este calor está me impedindo de raciocinar. Preciso fazer uma pausa. (Bebe água. Fala alguma coisa no ouvido da intérprete) Quem quiser ver as fotos do meu rosto nas galerias de arte pode acessar o meu site. (Pede para alguém colocar o endereço no telão) Pode colocar o endereço na tela, por favor? Com licença. (Sai. A intérprete explica que Theodor está passando mal e teve que se retirar. Dá a palestra por encerrada)
Experiência incrível. Ousada, caprichosa, inteligente. PARABÉNS. Acho, e vc já sabe, q este deve ser primeiro passo de uma performance que deve ser refeita sempre que possível. Precisando, conta comigo. Bjoks.
ResponderExcluirmuito bom o texto! parabéns, leandro!
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