quero pegar, sentir, tocar, ser.
E tudo isso já faz parte de um todo,
de um mistério.
Sou uma só... Sou um ser.
E deixo que você seja. Isso lhe assusta?
Creio que sim. Mas vale a pena.
Mesmo que doa. Dói só no começo."
Clarice Lispector
O surgimento da performance
Refazer algo que já foi feito, concebido, a princípio me pareceu algo despropositado. Criar uma performance a partir de uma história já vivida por alguém não era uma idéia que me fascinava no início. Mas, isso foi no início. De lá pra cá a vida corria e tinha pressa, pensei em usar coisas que já tinha feito, pensei em fazer uma performance em parceria com meu companheiro, mas nada disso poderia disputar com o que o destino joga para nós. No meio dessa busca por um re-enactment minha relação amorosa entrou em crise, depois de sete anos, eu me vi tendo que lidar com a separação. Se isso me assusta? Sim, assusta, porém, como a arte me parece ser algo que o tempo todo dialoga com a própria vida do artista, sua intimidade e experiências, a descoberta do trabalho da performer Sophie Calle foi um caminho natural. Ela, entre outras performances, concebeu "Cuide de você" onde dividiu com 107 mulheres um email do namorado que terminava o namoro dizendo esta frase: "Cuide de você." Decidi que também precisava cuidar de mim, e queria as mulheres que conheço e compartilho muitas coisas da minha vida junto comigo. A partir disso foi só conceber a idéia e convidá-las para viver esta aventura comigo. Decidi que intitularia meu trabalho de: "O que eu queria te dizer", e convidei, por email, 20 mulheres para gravar seus depoimentos dizendo algo que ficou por dizer e não foi dito a alguém que elas amavam. De todas, a maioria topou, mas apenas 7 corajosas mulheres gravaram. O que tinham a dizer foi dito, está registrado e diz mais do que nós imaginamos. Fala sobre como a intimidade de alguém pode dizer tanto sobre tantas pessoas, como o privado se mistura com o que é público e mais, como a palavra "comunicar-se" assumiu um sentido tão infinitamente maior do que eu poderia pensar...
A questão da estética relacional
A Estética Relacional, difundida por Nicolas Bourriaud, tem como ponto de partida as relações humanas. Logo, os trabalhos artísticos relacionais estão diretamente ligados, ou melhor dependem, do público para existir. Dependem desta relação que faz com que o público, o espectador seja também parte da obra. A performance, a meu ver, não atinge seu objetivo quando não provoca esse encontro, essa identificação daquilo que é feito pelo artista e é imediatamente recebido e transformado por aquele que assiste. Quando se trata de expor algo íntimo, de tornar pública a própria intimidade, como faz Sophie Calle em seus trabalhos e como eu tentei fazer no meu, o artista cria um elo com seu interlocutor, quase que um acordo de cumplicidade que possibilita diferentes significados e interpretações para a obra. É interessante que a arte, quando parte das relações entre as pessoas, toma caminhos inesperados e por isso mesmo se mostra viva e em constante mutação. A performance é isso, é jogar todo o tempo com as relações e ver surgir deste jogo, subjetividades e interpretações para aquilo que inicialmente te moveu. E ver que aquilo que dizia respeito a você, passa a ser muito maior que a sua vivência, passa a ser muito maior que a sua dor. E é aí que está a graça. Pois mesmo que doa, dói só no começo. Depois passa, e o que fica é a liberdade, é o amor. Sem dor.
Bibliografia:
THEML, Neyde. Público e privado na Grécia do VIIIº ao IVº séc. a.C.: O Modelo Ateniense, Rio de Janeiro: Sette Letras, 1988.
BOURRIAUD , Nicolas. Estética Relacional, S.Paulo: Martins, 2009.
LEHMANN, Hans. Thies O teatro pós-dramático , S.Paulo: Cosac Naify, 2007.
MELIM, Regina. Performance nas artes visuais, Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
Obs.: Estou com dificuldade para postar o vídeo no youtube pq ele tem 20 min de duração. Assim que conseguir compactar eu disponibilizo no blog.
Priscila, como discutido, trabalho de performance, reflexao e registro muito interessante, que explora a questao do privado/público e da universalidade e atemporalidade da intimidade. Espero que consiga dividir o vídeo para postar pelo menos os trechos no blog... Talvez dividindo em sequencias, justamente. Beijos.
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