terça-feira, 14 de dezembro de 2010

ATAT e Eu: em processo. ??????????!!!????????

EXPERIÊNCIA 01

Refazer uma performance… Como? Por quê? O que me direciona à escolha? Estas foram as primeiras indagações pelas quais passei. Meu desejo era – e é – o de trafegar pelo conceito de criação de espaços de convivência, de zonas de relacionamento que se estabeleçam não apenas como o eixo, mas como a própria realização artística, e a partir das quais também se possa observar as distintas relações estabelecidas entre sujeito e objeto do fazer artístico. Nada novo, diferente e nem mesmo ousado, porém, instigante e mobilizador para mim. O motivo? Ainda não sei explicar suas raízes subjetivas e também não sei se esta explicação formal é importante.

Apesar de inspirada por muitos artistas, meu “punctum” primeiro cravou-se nas experiências do Rirkrit Tiravanija, mas sempre ouvia de amigos: “isso é batido”, “isso não vai dar certo”, “isso é bobagem”, “isso não vai te levar a lugar nenhum”... Enfim... Não fiquei desanimada, mas comecei a me sentir vazia e com medo, possivelmente, de enfrentar a mim mesma – fato que eu não queria admitir, pois teria o valor de um salto triplo rumo à paralisia.

A desculpa – Para sair da inércia eu precisava de duas coisas: uma desculpa e uma nova idéia. Resumindo, Tiravanija, por decreto, tornou-se algo distante e muito elaborado e, para mergulhar em suas experiências, seria necessário me experimentar em contextos mais simples e próximos. Pronto. Eu tinha uma desculpa.

A idéia – O assunto surgiu. Conversando com amigos, não me lembro como e nem por que, começamos a enumerar as obras públicas iniciadas e abandonadas no município do Rio de Janeiro. O aparelhamento da máquina pública para a corrupção financeira e política é um “fenômeno” bem corriqueiro no País. Mas em ano eleitoral ele se “aflora”. Nos municípios urbanos, a infinidade de obras – necessárias ou não – que se transformam em “instalações temporais de campanha” tornam-se a parte mais visível. Estes espaços, que falsamente se edificam sobre a promessa da melhoria do espaço urbano, precisam do caos para se estabelecer e, de fato, sob qualquer ângulo que se possa analisar, é isso que eles geram: caos urbano.

Como colocar uma lente de aumento sobre a arbitrariedade da construção desses espaços? “Desfazendo esses espaços”. A inspiração em Gordon Matta-Clark foi imediata.

Desfazer o espaço – Gordon Matta-Clark (Nova York, 1943-78) ficou conhecido pelas intervenções feitas em prédios condenados à demolição. Suas intervenções artísticas incitavam as pessoas ao debate sobre a estruturação do espaço urbano. Ele desenvolveu o projeto de desfazer o espaço da arquitetura moderna realizando intervenções metafóricas em edifícios abandonados ou condenados à demolição, com o intuito de questionar sua autonomia e a lógica econômica que impulsionou a expansão da arquitetura, especialmente a americana, após os anos de 1950.

Claro que faltava muita coisa. Inclusive estrutura para ir a fundo num re-enactment desse porte... A Isis me sugeriu fazer algo mais simples, trabalhando apenas a motivação do Matta-Clark. A Aline pensou num monte de intervenções, afinal diferentes espaços nos sugeririam distintas formas de interferência. Trabalharíamos o conceito e teríamos volume, o que traria maior visibilidade e mais possibilidades de fomentar o debate sobre os espaços caóticos em questão, ainda que não tivéssemos como aferir os desdobramentos. A Maria foi prática e coerente. Ela já estava trabalhando em projetos de alteração espacial e, neste momento, pesquisava espaços que contivessem os elementos de sua própria transformação. Ela propôs que realizássemos uma intervenção relâmpago no abandonado canteiro de obras da UFRJ da Praia Vermelha. Tratava-se de um canteiro de obras parado, mas que constantemente recebia material; perto da UNIRIO, onde poderíamos conseguir adeptos à experiência; e em local mais fácil para iniciar a ação, bastando entrar mais cedo como qualquer estudante.

Definindo e organizando a ação – Meu primeiro re-enactment, então, não seria a repetição de uma performance específica, mas a “reconstrução” – vivência e experimentação são termos melhores – de um tipo de prática realizada pelo artista Gordon Matta-Clark (desfazer espaços), utilizando o mesmo conceito dele, o mesmo objetivo dele, mas em âmbito menor.

A performance seria realizada por mim, Maria Luíza Grey e Aline Barcelos – as duas são artistas plásticas e estudantes de cenografia. Nossa desconstrução do espaço se daria num canteiro de obras da UFRJ e seria realizada em uma noite. Um dia antes da intervenção, cada uma de nós, em horários distintos, passaria pelo espaço para, aleatoriamente, por intuição, etc, pensar em materiais de suporte à execução da performance. Precisávamos marcar o dia e uma hora para a nossa desconstrução espacial começar. Definimos que começaríamos e terminaríamos o trabalho juntas. Nos impusemos chegar para a intervenção 30 minutos antes da hora combinada para, juntas, sentarmo-nos de frente para o espaço e, rapidamente, trocarmos impressões e desejos sobre o lugar e a performance. Enfim, escolhemos a data: 28 de setembro, às 22 horas. Não nos propusemos a fazer um registro. O mais importante naquele momento era vivenciar a experiência proposta e sua execução coletiva.

OBS: A conversa que originou a idéia aconteceu na primeira semana de setembro, definimos o que seria feito num encontro que aconteceu uma semana depois e, após uma semana sem nos falarmos, marcamos a data.

A performance

Nos encontramos no local da intervenção na hora combinada. A Maria levou dois amigos que, em tese, comungariam da experiência conosco e, de fato, teríamos mais quatro braços, pois havia muitas pilhas de cimento, tinta, vigas, suportes de aço, tijolos, terra, tábuas etc., enfim, muito a ser feito. Eles nos olharam trabalhar por um tempo e, depois, foram embora.

Suportes – Apenas eu levei. Tesouras, estilete, alicate, chave de fenda, barbante e uma infinidade de fitas de diferentes cores e tamanhos: isolantes, crepes, cintas de alto teor adesivo e afins.

A ação – Quando chegamos conversamos rapidamente... As três olhando aquele espaço que poderia servir para tanta coisa, abandonado há tanto tempo e abarrotado de material de construção, pensamos: um museu... Iríamos reordenar aquele espaço construindo obras emblemáticas daquela situação e que se constituiriam num museu temporário. Nada poderia ser quebrado ou danificado.

Meia noite. Em duas horas fizemos uma instalação no interior do “túnel” subterrâneo que conduzia a escavação das fundações da casa que havia no terreno e uma escultura com lixo, terra, tinta, barras de ferro e caixas d’água. Para utilizarmos todo o material, teríamos de virar a noite e não poderíamos parar. Não é fácil carregar sacos de cimento, virar laje, concretar estruturas e carregar aquelas monstruosas barras de ferro.

Uma hora. Fizemos mais duas obras. Começamos a quinta, terminamos a quinta. Durante a sexta – uma tentativa de espantalho de ferro – eu deixei cair uma placa de ferro sobre uma pilha de latas de tinta... o estrondo foi enorme. A Aline saiu correndo eu e Maria fomos atrás e os seguranças foram vistoriar o local... Nós esperamos um bom tempo enquanto decidíamos o que fazer. Eu queria voltar, Maria também, mas a Aline achava melhor encerrar a intervenção ali: “podemos não ter utilizado todo o material existente em esculturas, mas todo o material foi re-espacializado, ganhou nova dimensão e contexto. “Por que temos de voltar? Por que não ficamos com essa experiência? Ok. Ficamos com ela e com algumas fotos.

Fotos

E assim foi... As fotos abaixo foram tiradas pela Maria e pela Aline por câmeras de celular. Não havíamos pensado num registro para exposição. Este é apenas um registro afetivo e que, com a autorização delas, divido com vocês.

Antes...



Depois...





Análise coletiva e análise individual

Analisando o que fisicamente construímos com o material local, vejo que trabalhamos e/ou construímos nosso museu transitório sobre a ótica do não espaço. Ou seja, ele existia como potência dentro do espaço a ser trabalho, ganhou existência material transitória a partir da desconstrução realizada e, independentemente do tempo de sua duração, o espaço em que se encontrava não deixava de ser materialmente um canteiro de obras. Enquanto o museu estivesse “de pé” suscitaria sim a discussão sobre aquele espaço, sua necessidade, os motivos de sua existência, etc., mas dada a transitoriedade não apenas da execução da obra, mas de sua existência em si, me questiono quanto à reprodução conceitual do Matta-Clark. Ela existiu?

Sim, claro que existiu. Como observa Hans-Thies Lehemann sobre a performance, “o posicionamento performativo não se pauta por critérios prévios, mas por seu êxito na comunicação” e, assim, a própria efemeridade do trabalho torna-se indispensável para a intensidade do seu poder de comunicação.

Faço esse translato sabendo que nossa ação foi tema algumas discussões entre a equipe de vigilância da UFRJ. Alguns acharam engraçado e não viram problema algum, uma vez que o local estava abandonado e que não houve vandalismo. Outros viram “o acontecimento” como sintoma do mau trabalho de alguns profissionais do setor e, também, como necessidade de aumento do efetivo. Quanto aos estudantes e eventuais pedreiros é possível que tenham notado, comentado, discutido, mas não tivemos como aferir desdobramentos.

Em outras palavras, a ação teve êxitos comunicativos. Possibilitamos que a nossa proposta artística juntasse pessoas que, a partir dela, discutiram sua condição de trabalho. De fato, esse espaço relacional já existia, mas, possivelmente, pela mecanização das relações sociais do cotidiano, encontrava-se reduzido. A arte contemporânea, quando se propõe à reflexão política e problematiza a esfera das relações consegue expandir o espaço relacional a partir desta própria dubiedade que ele gera: cria contextos extra cotidianos que favorecem as relações interpessoais em locais onde elas tornaram-se mecanizadas. Sobre a natureza da arte contemporânea que se arrisca num sistema onde tudo é mercadoria Nicolas Bourriaud afirma que “ela cria espaços livres, gera durações com um ritmo contrário ao das durações que ordenam a vida cotidiana, favorece um intercâmbio humano diferente das ‘zonas de comunicação’ que nos são impostas. O contexto social atual restringe as possibilidades de relações humanas e, ao mesmo tempo, cria espaços para tal fim.” – (Disponível em ESTÉTICA RELACIONAL ‘p. 23’, de Nicolas Bourriaud).

Enquanto artistas conseguimos realizar aquilo a que nos propusemos, o que não se deu de maneira estática – e nem poderia –, mas mutante; vivenciada a cada momento de execução de nossa ação, o que permitia que a descobríssemos à maneira que a realizávamos. Assim, percebemos que nossa desconstrução do espaço (sob a ótica do não espaço) foi se delineando num site specific funcional; desconstruímos aquele espaço, mas mantivemos suas características: no tempo e no espaço ele não perdeu a qualidade de canteiro de obras. Nosso ato performativo foi ganhando contornos mais concretos conforme o realizávamos e, enquanto o realizávamos, discutíamos o que estávamos fazendo e, enquanto discutíamos o que estávamos fazendo, nos lembrávamos que algumas desconstruções espaciais do Matta-Clark foram desenvolvidas a partir da proposta de construção de um site specific.

O imprevisível compôs nossa performance o tempo todo por opção, até mesmo na definição específica do conceito, que se fez no processo e não antes. A previsibilidade se deu ao fim, quando, ao invés de irmos para casa ante a opção de parar, sentamos para conversar sobre o processo e sobre a necessidade de refazermos a performance.

Diante da experiência vivida, o presente; o aqui e agora – como em todo ato performático – é elemento fundamental e que, no entanto, é fugaz e impossível “rotular” e conceituar, portanto, como narrativa precisa – absorvido pelas estéticas teatrais ou não – ser experimentado como tempo artístico e constituinte da arte ele próprio. “Nesse sentido de uma presença oscilante e evanescente, experimentada ao mesmo tempo como ausência e como algo que já passou, o presente traça um risco sobre a representação dramática.” – (Disponível em O teatro pós-dramático, ‘p. 240’, de Hans-Thies Lehemann).


Bibliografia

Bourriaud , Nicolas. Estética Relacional, S.Paulo: Martins, 2009.

Lehmann, Hans. Thies O Teatro Pós Dramático, S.Paulo: Cosac Nify, 2007.

3 comentários:

  1. Tânia, não estou conseguindo postar as fotos... Alguém me ajuda!!!

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  2. Deve ser porque geral tá postando no blog. É só deguir o passo a passo do bloger. Mas coloca as fotos antes do texto! Essa configuração (texto antes) não é boa. Até porque a gente não sabe de quem é o texto, tem que correr o cursor até o final e voltar pra saber de quem se trata! Edita essa postagem melhor, junta todas as performances numa postagem só também. E depois me avisa (email ou FB) pra eu apagar o comentário.

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  3. Não consegui postar td, mas... Acho q vc estava certa, mas já tinha escrito e postei as fotos depois... Vou colocar mais fotos aos poucos. Bjoks.

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